segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Brasil como protagonista mundial: Seus parceiros e suas perspectivas (2/3)

Marcos Belmonte
A China como a economia mais dinâmica e pungente do mundo e centro dos BRICS, até o ano passado (2014) se via – ou pelo menos disfarçava seu status de protagonista – como um país em desenvolvimento e não como uma potência estabelecida. Na história recente, mais visível no governo de Deng Xiaopping, a China sempre se manteve o mais afastado possível dos holofotes que iluminam EUA, UE, e Japão. Quanto maior a discrição na atuação chinesa no seu desenvolvimento econômico, melhor. Quando do grande crescimento econômico das políticas de Deng, esse fazia questão de alertar que a China não poderia se tratar de uma grande potência mundial, mesmo com seu crescimento. Ele dizia que o crescimento da China poderia parecer colocar a mesma numa condição de potência, mas não passaria de uma análise equivocada pelo fato de que a China possuía a maior população mundial e uma agressiva desigualdade social. Para Deng, era preciso sanar esse grave problema social, junto ao déficit tecnológico, para que a China começasse a querer ser tratada como potência. Essa mesma postura seguiu também durante o governo de Hu Jintao.

“Segundo o padrão de vida de um dólar por dia estabelecido pelas Nações Unidas, a China possui hoje 150 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Mesmo baseado no padrão de pobreza e renda per capita de 1.200 yuan, a China ainda tem mais de 40 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. No presente, ainda há 10 milhões de pessoas sem acesso a eletricidade, e a questão de empregos para 24 milhões de pessoas tem que ser resolvida a cada ano. A China possui uma imensa população e uma fundação fraca, o desenvolvimento entre a cidade e o campo é desigual, a estrutura industrial não é racional, e o subdesenvolvido estado das forças de produção não mudou fundamentalmente”[1]. 

Contudo, essa postura está enfraquecida pela própria percepção – interna e externa – de que a China ocupa um lugar diferente no rumo da política econômica do planeta. Sua importância é rigorosamente inegável. Sua potencialidade dentro dos BRICS e na economia mundial, mais visível nos anos pós crise de 2008-2009, desperta preocupação da grande superpotência norte-americana. O próprio BRICS sofre – incluindo a China –com ações dos EUA e das grandes potências da OTAN que visam claramente desestabilizar o bloco, com atenção especial contra Rússia[2]. E isso não passou pela China sem que essa notasse[3].

“Em outras palavras, embora o relacionamento com os EUA vá continuar como mais alta prioridade, por causa do poderio militar e financeiro dos EUA, deve-se esperar ver uma China cada dia mais ativa contra o que vê como interferência dos EUA. É novidade que já se viu claramente em outubro, quando o jornal People Daily do Partido Comunista Chinês publicou editorial, durante a ‘revolução dos guarda-chuvas’ em Hong Kong, que interrogava “Por que Washington tanto se interessa por revoluções coloridas?” O artigo citava nominalmente, como envolvida naquela 'operação', a ONG National Endowment for Democracy, dedicada a 'mudanças de regime' pelo mundo e mantida pelo vice-presidente dos EUA. Esse tipo de denúncia direta era impensável há seis anos, quanto Washington tentou criar problemas para Pequim insuflando protestos violentos do movimento do Dalai Lama no Tibete, pouco tempo antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008”[4].

A postura da China é diferente hoje. Um país com uma história milenar voltada para dentro de si; que tratava as outras culturas como bárbaras, que sofreu com invasões diversas, que sempre se viu como centro do universo, “o reino do meio” (...) agora precisa assumir o seu protagonismo mundial e mexer com a própria mentalidade de seu povo para assumirem esse lugar com seu interno conciso e forte.  Existe o problema de a economia brasileira depender exclusivamente, pelo menos grande parte dela, da China, mas é um mercado com fôlego suficiente para manter seu crescimento até 2050. Será de fato o século da Ásia, e será com certeza o século chinês. Portanto, ter um parceiro dessa magnitude dentro dos BRICS é de grande benefício para seus integrantes, apesar da atual desigualdade no âmbito da potencialidade comercial, industrial, financeiro e militar e sérios problemas sociais internos dos membros. Fatos, esses, que fazem os críticos das aspirações dos BRICS à reforma da governança global atuarem, dentro das suas esferas de ação – mídia, especialistas, economistas, políticos e etc. – contra o bloco ou atribuir-lhe menor importância. Contudo é preciso análise mais aprofundada para se ter melhor panorama para emitir semelhantes opiniões.

Apesar das debilidades internas e limitações externas são apontadas como indicadores de que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não reúnem as credenciais necessárias para aspirar à condição de integrantes do grupo de países líderes da ordem mundial. Aqui cabe ressaltar alguns aspectos históricos relevantes. O primeiro deles demonstra que, quando a Inglaterra e, mais de um século depois, os EUA se tornaram lideranças mundiais, viviam situações internas caracterizadas por grandes dificuldades sociais e desequilíbrios. Basta ler os romances de Charles Dickens para ter uma ideia do que era a Inglaterra durante sua revolução industrial. O cinema, por sua vez, nos mostra uma América dominada por gangsters justamente quando os EUA se convertiam em primeira potência mundial. Portanto, há que refletir melhor quando se apontam as incapacidades das nações integrantes dos BRICS[5].    

A Inglaterra teve seu momento de liderança. Os Estados Unidos ainda são líderes do atual capitalismo. A China será a líder do futuro em curto e médio prazo. Mas apesar desse protagonismo chinês, os demais membros dos BRICS estão desenvolvendo seu próprio protagonismo regional. A Rússia está se impondo como líder da Eurásia; a China se põe como líder da OCX[6]; a Índia se apresenta como liderança do sudeste asiático; a África do Sul é a maior economia da África e líder no continente; e o Brasil se apresenta como líder do MERCOSUL e UNASUL. Os BRICS enquanto conceito do mercado financeiro ocidental, que mais tarde passa a qualidade de fórum de discussão, e, finalmente, para bloco político-econômico institucionalizado com melhores perspectivas de crescimento no médio prazo, também se apresenta como bloco que se forma de modo inter-regional, sem ser um bloco que se iniciou motivado pela mesma razão, acaba por abraçar as principais potências de blocos políticos-regionais poderosos, como a própria OCX e o IBAS.

No caso brasileiro, um dos grandes desafios é ser um protagonista da estratégica América do Sul, ou seja, não só do MERCOSUL, mas sim da ALADI. Se o Mercado Comum do Sul vai ser assimilado pela ALADI, ou se a ALADI que será assimilada, ou se ambos os blocos se estruturarão harmoniosa e concomitantemente não temos como saber e não convém especular aqui sobre algo tão importante. O que o Brasil precisa é se tornar o líder da região como um todo e ser aceito pela própria região como tal. Contudo, é preciso ter o chamado “jogo de cintura” para lidar com questões delicadas dentro de um bloco que, não raro, é palco de disputas e/ou contendas entre ambos, tais como a situação frágil da nacionalização do petróleo por Evo Morales na Bolívia e que assimilou para seu Estado fortes investimentos da Petrobrás em seu país contratados anteriormente entre La Paz e Brasília, assim como os entraves com a Argentina sobre a pretensão brasileira a uma cadeira fixa no Conselho de Segurança das Nações Unidas. É preciso que essa liderança e protagonismo sejam pactuados. 

No entanto, podemos notar aparente contradição, pois, o que os BRICS almejam é um mundo multipolar onde todos os estados tenham voz e pratiquem políticas - como diria Xi Jinping, presidente da China – de “ganha-ganha”. Não que esse protagonismo e liderança seja devido a uma espécie de imperialismo brasileiro que se impõe devido ao país ser a grande potência da região e – por esse fato – ele se impõe como liderança natural, pois um bloco formado e inspirado nos pontos de Bandung e no G77 se mostraria contraditório por permitir que isso acontecesse. Óbvio que essa liderança é forjada de várias maneiras no âmbito político, comercial, financeiro, militar e etc. Só não se pode negar o peso brasileiro dentro da região e do bloco, como não se pode negar o peso chinês e russo na Ásia Central, da Índia no sudeste asiático, da África do Sul em África, dos EUA na América do Norte, da Alemanha na Europa etc. Talvez, dentro de todas essas nuances que sustentam a política e ideologia de Bandung, liderança e protagonismo não sejam os conceitos mais adequados, e sim, “porta-voz” regional. Também é necessário que todos os países do bloco – ou dos blocos – regional estejam com as mesmas prioridades políticas e estratégicas para a integração e cooperação na região. Hoje, lideranças políticas vinculadas com os ideais do centro para a esquerda, essa perspectiva pode se tornar mais “realizável”, caso contrário, blocos como o NAFTA, Aliança do Pacífico, União Europeia e até a ressurreição da ALCA seriam preferidas ao MERCOSUL, ALADI, BRICS, IBAS e etc., algo que se tornaria um erro estratégico crasso tomado por lógica unicamente financeira – variável conforme centro do capital – e não política – estruturação de alguma região que não se apresenta imediatamente como grande e principal fonte de potencial econômico, mas sim, como algo com potencial a ser construído -. 

O que nos leva a contradição da própria criação dos BRICS, nascido esse conceito inter-regional com capacidade de forte desenvolvimento e investimento de capital e nada politicamente estruturado, posto que os blocos regionais nascem – via de regra – como impulso político para sua estruturação visando desenvolvimento econômico posteriormente. Trata-se, então, os BRICS de uma instituição voltada para o lado financeiro, pela própria potencialidade de seus membros, e se apresentar como uma espécie de ameaça aos blocos regionais tornando-os secundários em termos de importância? Não creio, pois, os blocos regionais – que se forjaram antes e depois dos BRICS – são estratégicos.

É realmente mais rentável e menos oneroso – ou sem grande risco – estabelecer negociações com vizinhos fronteiriços do que com parceiros além mar. Um exemplo clássico foi a situação do Ramo-sul russo para a Europa, onde o velho mundo tornou insustentável – forçado pelos EUA – o fornecimento de gás natural russo pra Europa, em contrapartida terrivelmente infeliz e contraproducente, substituiu uma pipeline segura da vizinha Rússia para se abastecer do gás transportado por navios dos EUA enquanto não se resolve as contendas no Oriente Médio para abastecer de gás – dos aliados norte-americanos - o velho mundo. E assim as relações comerciais entre os estados nacionais que precisam escoar e/ou importar suprimentos de além mar sempre serão mais dispendiosos do que relações mantidas com vizinhos. Blocos regionais possibilitam ligações infraestruturais mais profícuas, maior possibilidade de conexão política e cultural, maior potencialidade de constituir uma área de segurança e etc., assim como a integração do NAFTA – onde a América do Sul possui projeto similar de integração “IIRSA[7]” que recebe apoios e críticas -. Não estou querendo dizer para se fazer um Tratado de Livre Comércio como na América do Norte, onde Canadá e México realmente tiveram algumas vantagens por ter uma superpotência no bloco, até porque, existem problemas sérios para os parceiros dos EUA no agrupamento regional; nem muito menos estou dizendo que a segurança anda de mãos dadas com a prosperidade, assim como George W. Bush. Mas a possibilidade de um bloco regional coeso, seguindo essa lógica de integração, se devidamente compactuada, é desejável.

Notas:

[1] KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 502.

[2] Como a desvalorização do rublo, como o congelamento de capital russo na Europa, como a patética proibição de algumas personalidades russas de entrar nos EUA, como a tentativa frustrada – até agora – de colocar bases da OTAN na Ucrânia, como o governo nazista ruusofóbico de Petro que fez com que a Rússia rompesse com o fornecimento de gás natural para Europa e, o frequente bombardeio da imprensa-empresa ocidental demonizando Putin. 

[3] Agora, em plena guerra total que Washington faz contra o rublo russo, a China anunciou que está pronta para, se solicitada, ajudar seu parceiro russo. Dia 20/12/2014, em meio a uma queda histórica na cotação do rublo em relação ao dólar, o Ministro de Relações Exteriores, Wang Yi, disse que a China proverá ajuda à Rússia, se necessária, e tem confiança de que a Rússia conseguirá superar suas atuais dificuldades. Ao mesmo tempo, o Ministro do Comércio, Gao Hucheng, disse que expandir uma operação de swap de moedas entre as duas nações e fazer uso mais amplo do yuan no comércio bilateral são operações que, com certeza, darão grande alívio à Rússia. - Retirado do artigo: Mudança na política da China para o mundo. Disponível em Redecastorphoto

[4] Ibid.

[5] VISENTINI, Paulo Fagundes. A dimensão político-estratégica dos BRICS: entre a panaceia e o ceticismo. In: Mesa-Redonda: O Brasil, os BRICS e a agenda internacional / Apresentação do embaixador José Vicente de Sá Pimentel. – Brasília: FUNAG, 2012, p. 201.

[6] Da qual a Rússia é membro e a Índia é “membro observador”.

[7] Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana. Esse projeto recebe apoio de parte das sociedades dos estados envolvidos pelos benefícios comerciais e de lojística que poderia propiciar. Contudo, outra parcela critica veementemente essa integração porque em alguns caso, as rotas estabelecidas pelo IIRSA afetaria regiões de populações indígenas dentre outros povos e/ou populações historicamente habitantes dos locais de passagem do projeto. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário