sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Por favor, sem indonésia aqui, e nem Brasil lá

Daniel Baptista - COLUNA CAVANDO BURACOS
Uma modesta opinião minha: sou contra a pena de morte. Ela não acaba com a criminalidade, e cedo ou tarde todos morrem - os bons e os maus - dentro de uma visão maniqueísta de ver a vida. Abreviar a vida de alguém está longe de ser a solução para uma sociedade mais igualitária, não importa o crime, até mesmo os que provocam comoção social, espetacularizada por carniceiros midiáticos. Mas diante do caso de execução de Marco Archer, discussões sobre os episódios que culminaram no fato ganharam notoriedade em nosso cotidiano, especialmente a de que se a solução adotada na Indonésia seria uma solução para o narcotráfico nacional.

Já disse um famoso estadista que a morte de um é uma tragédia, a de milhões uma estatística. A morte de Marco Archer na Indonésia despertou uma avalanche de opiniões sobre o assunto. Os Bolsonaro’s boys vibraram nas redes sociais com a execução do brasileiro. Os ativistas dos direitos humanos condenaram com veemência a truculência e insensibilidade dos bárbaros e incivilizados indonésios. Mas uma fagulha de luz desse objeto se colocado sobre um prisma nos revela uma refração de fenômenos que nos dão uma mostra de que, os acontecimentos estão interligados com outros vários fenômenos que compunham a realidade

“Menino do Rio, com um calor que provocava arrepios e um dragão tatuado no braço”, Archer, segundo o próprio, nunca fez outra coisa da vida a não ser traficar, abastecer ricos com o seu produto que garantia felicidade e sexo sem limites era a única coisa que fez durante boa parte da vida. Talvez pelo fato do traficante nesse país ter cor e classe social, fez com que o episódio tomasse o contorno dramático a que nos foi colocado. Os mesmo que condenaram a execução de Marco Archer (ou parte dos espectadores) empolgam-se quando veem no Brasil Urgente ou em outra porcaria do tipo, mais um traficante preso na Restinga em Porto Alegre ou no bairro do Salgado em Caruaru. E está tudo bem nos corredores da morte no Texas. E vai saber, vai lá saber se, na calada da noite também não percorrem, algumas biqueiras de algumas periferias a procura de produtos que abasteçam a nossa demagogia, desde que não se fira a ética social.

É possível dizer Arche nãofoi a maior vítima deste episódio. Os mais vitimados estão nas selvas e na Cordilheira dos Andes que, por serem privados de dignidade e estarem condenados por uma vida miserável até o seus últimos suspiros, desaparecem no anonimato, vidas desperdiçadas para abastecer de pó às orgias hedonistas em paraísos terrestres como Bali. É uma estatística, como disse Djugashvili.

Como escrevi no início, não defendo a pena de morte em nenhuma situação. Digo isso com meu olhar e cultura ocidental, mas tomo muito cuidado para não cair na armadilha (que hora ou outra se revela) de ver outra sociedade e seus valores culturais como antagônica a minha. Não sou Charlie. Se eu fosse um cidadão indonésio, possivelmente estaria em sintonia com aquela sociedade, onde a pena de morte para traficantes de drogas é apoiada maciçamente pelos habitantes do maior arquipélago do mundo.

O que devemos fazer e creio que seja o mais sensato, é ter nesta hora respeito pelos familiares e amigos de Marco Archer que não tem nada a ver com as suas decisões que culminaram com a sua morte na Indonésia. E respeitar sim a jurisdição do país asiático. Aquilo é um problema deles. É complicado afirmar o que seria certo para eles, nem devemos ter essa arrogância. Existem outros fatores culturais daquela sociedade que são completamente diferentes dos nossos e que justificam as suas condutas, que os fazem ser o que são: nem melhor nem pior que outras. O contrário também é recíproco. Valores universais estão cheios de carga ocidental que, fizeram o que fizeram no Iraque, no Afeganistão e em tantos outros momentos da história. Pelo visto o inferno são os outros mesmo.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A Escola Enquanto Espaço de Pertencimento

Christian Silva de Castro
Ao compreender a instituição escolar como uma importante parte da formação de muitos indivíduos – em muito por seu caráter obrigatório – a escola acaba se tornando uma extensão da vida desses indivíduos, se não, a própria vida deles. Contudo, nem sempre a escola compreende, ou mesmo atende a todas as peculiaridades do seu público. Lembro que devemos considerar a escola como um organismo mutante que se adapta, ou pelo menos deveria se adaptar ao ambiente em que se insere.

Podemos pensar a escola como uma instituição refratária, ou seja, que reflita elementos do contexto em que está inserida, entretanto conforme mencionado, nem sempre a realidade condiz com os currículos escolares oferecidos.  Este panorama gera alguns questionamentos que pretendo compartilhar. O currículo escolar reflete a realidade em que está inserido?

O que tem se visto nos últimos tempos é o surgimento de inúmeros programas através de iniciativas governamentais que tem provocado transformações graduais no currículo escolar introduzindo aos poucos no contexto nacional os conceitos relacionados à educação integral. Ao citar o conceito de educação integral e a ideia de a partir da educação básica formar indivíduos de forma plena. Ou seja, que dentro da escola o educando construa um sem fim de habilidades necessárias para a sua vida em sociedade como a leitura, a escrita, expressões artísticas variadas como a música e o teatro, as novas tecnologias, etc. Nesse sentido, a ideia da instituição escolar enquanto espaço de pertencimento “casa-se” perfeitamente com a essência do conceito de educação integral e a necessidade de reformulação do currículo escolar.

Para formar indivíduos de forma plena é necessária a ampliação dos espaços escolares estendendo os domínios da escola por todo e qualquer lugar além dos muros físicos da instituição escolar que demonstrem qualquer potencial pedagógico ou humanizador. Contudo, para que esta ampliação ocorra é necessária a compreensão dos indivíduos que compõem a instituição para que ela seja pedagogicamente efetiva.

Ao romper com as barreiras expressas pelos muros da escola a formação bancária, nas palavras de Paulo Freire, deixa de ser uma realidade estática para tornar-se uma realidade em transformação. A escola é, via de regra, um espaço de pertencimento pois é universal, atende a todos e todas sem distinção, ou pelo menos deveria. É necessário que os mundos de dentro e fora da escola se fundam em um só organismo vivo e capaz de moldar-se às necessidades do ambiente em que está inserida. A escola realmente faz isso?

Considera-se a escola como um ambiente de formação identitária, mas como formar indivíduos plenos se a escola atual não se debruça sobre todos os aspectos do meio em que está inserida? Questões como gênero, religião, sexualidade e preconceito passam, na maioria das vezes longe das salas de aula. Novamente a ideia da escola enquanto espaço de pertencimento torna-se opaca proporcionalmente a necessidade de revisão dos currículos e principalmente das práxis dentro das escolas.

Trazer para dentro do universo escolar elementos que existam no exterior é um passo importante para a transformação da escola em um verdadeiro espaço de pertencimento. Para que esta modificação ocorra uma série de alinhamentos entre a sociedade, a escola e o governo devem ocorrer de forma consciente e planejada.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Entrevista sobre História com o Profº Ricardo Fitz

O Fato e a História reproduz uma entrevista realizada com o professor Ricardo Arthur Fitz, professor do Colégio Militar de Porto Alegre e também da FAPA por quase 40 anos. Nesta entrevista realizada por e-mail o professor Fitz (como é carinhosamente conhecido entre seus alunos) nos responde sobre assuntos relacionados a sua profissão, sobre a perda de interesse do público pelas licenciaturas e claro, os rumos para onde a História está sendo levada.

O Fato e a História: Professor Fitz, como a História entrou na sua vida? e o interesse pela docência?
Ricardo Fitz - Eu entrei na História de um forma curiosa. Primeiro: História
não era minha matéria preferida no colégio (leia-se Ensino Médio). Eu gostava mais de Física. Porém, ainda menino, ganhei um livro chamado "Grandes Expedições" e nele estava narrada a expedição que encontrou a tumba de Tutancamon. Meti na cabeça que eu seria arqueólogo. Já na faculdade vi que a arqueologia romântica, ao estilo Indiana Jones que eu imaginava, não tinha nada a ver com separar e classificar cacos de cerâmica. Mas aí já era tarde.Eu estava completamente apaixonado pela História. Nunca mais saí dela. A docência veio como uma decorrência natural disso. A História me fascinou tanto que eu sentia necessidade de compartilhar com os outros aquilo que ia descobrindo.

OFEAH Como o professor vê a atuação dos historiadores para a compreensão do mundo atualmente?
RF Antes de mais nada, não sei se é possível a compreensão do mundo atual como um todo. Isto não significa que devamos abandonar a ideia de procurar compreendê-lo. Ao contrário, isto deve ser sempre buscado. É possível compreender e esclarecer muita coisa, mas sempre dentro de certos limites, pois nem tudo está ao nosso alcance. Sem querer puxar a brasa para o nosso lado, entendo que se tal compreensão do mundo, com suas limitações, passa obrigatoriamente pelo estudo de como ele se formou, ou seja pela História. Se existe uma possibilidade de compreender o mundo em que vivemos, ela passa obrigatoriamente pela História e, portanto, pelo trabalho do historiador.

OFEAH Que rumos é possível apontar para a ciência História futuramente?
RF Esta pergunta é difícil de ser respondida. Os historiadores não se entendem quanto aos rumos da História hoje, que dirá no futuro. Apenas para exemplificar. A questão apresentada indaga sobre os rumos da ciência História. Ora, os historiadores não estão de acordo uns com os outros no que se refere à própria cientificidade da História. Assim, ao menos para mim, fica um pouco difícil de apontar os rumos que a História pode seguir. Uma coisa, porém, me parece certa. O interesse pela História é cada vez maior e será cada vez maior, na medida em que cada vez mais somos levados a procurar respostas para o mundo, como foi visto na questão anterior. E, na medida em que o interesse pela História é - e provavelmente será - cada vez maior, seu estudo tende a se tornar cada vez mais intenso, ampliando também significativamente seus métodos e campos de atuação.

OFEAH "Como o professor vê a difusão, através do sucesso de vendas de livros, de obras abordando a história escritos por jornalistas, como a série 1808 de Laurentino Gomes e os 'Guias Politicamente Incorretos de História' de Leandro Narlock?"
RF Eu vejo essa questão em um dupla perspectiva. De um lado, acho interessante este tipo de publicações na medida em que despertem nas pessoas o interesse pela História. De outro lado, na maior parte dos casos falta o rigor metodológico e analítico tão necessários ao trabalho histórico. E isto traz um problema: as pessoas passam a escrever o que bem entendem, sem se preocupar com o rigor acadêmico. Ainda assim, alguns textos são bem trabalhados, se considerarmos seu caráter de divulgação, como é o caso de Ricardo Bueno. Outros, porém são escandalosos, além de serem políticamente incorretos, às vezes são tecnicamente incorretos. Os textos em geral não apresentam novidades. O fato é que os jornalistas acabaram por encontrar um filão interessante. Fizeram o que os historiadores raramente conseguem: falando uma linguagem compreensível e não acadêmica encontraram um grande público leitor.

OFEAH "Muito se fala sobre crise nas licenciaturas e um desinteresse pela profissão de professor. Ainda é possível ver com otimismo a formação atual de  historiadores/professores e as pesquisas desenvolvidas na área?"
RF Acho que são duas coisas distintas, apesar de estarem interligadas. A chamada "crise das licenciaturas" tem a ver com a crise do sistema educacional como um todo. Ela não se restrine apenas à disciplina de História. A quantos anos sistematicamente têm faltado professores de matemática, de química, de geografia? Aqui vou falar o óbvio: muitas pessoas preferem investir quatro anos de sua formação intelectual em algum curso que possa lhes trazes maior retorno financeiro. A não valorização financeira, a não valorização social, as dificuldades cotidianos no trabalho do professor afugentam um número grande de pessoas que poderiam se tornar ótimos profissionais. No campo da pesquisa, por outro lado, a maior dificuldade se encontra no mercado de trabalho. Não é tão fácil viver exclusivamente da pesquisa, tanto que a maior parte dos pesquisadores são também eles professores. Quanto à questão de ser possível ver com otimismo, penso que não, a não ser que se resolva realmente encarar de frente a questão da educação no Brasil. Mas esta, não pode ser uma política de governo, mas sim uma política de estado.