quarta-feira, 29 de abril de 2015

A federalização do Ensino Básico: os educadores e seus desafios

Dhiego Recoba
Há cerca de um ano tramita no Senado federal o projeto de decreto legislativo que versa sobre a responsabilidade pelo financiamento da Educação Básica. O PDS 460/13, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), consiste em convocar plebiscito, em âmbito nacional, a fim de consultar o eleitorado brasileiro a respeito desta mudança de competência, que na prática poderá retirar a educação brasileira da estagnação histórica em que se encontra.

Inicialmente programado para ocorrer junto com as eleições de outubro passado, o próprio autor do projeto julgou ser difícil que a consulta ocorresse no prazo estipulado, pois considera que o mérito em pauta não é a data, e sim discutir se é conveniente consultar a população a respeito do assunto. “O que se está discutindo é se é ou não conveniente consultar a opinião publica sobre como tratar nossas crianças”, disse Cristovam Buarque à rádio do Senado

Após o parecer positivo do relator da Comissão de Educação, senador Randolfe Rodrigues (PSOL), o projeto deverá ainda tramitar por duas comissões: a de assuntos econômicos (CAE), e pela Comissão Nacional de Justiça do Senado (CCJ), além de ser votada em plenário, para somente depois chegar até as urnas com a seguinte pergunta: “O financiamento da educação básica pública e gratuita deve ser responsabilidade do governo federal”?

Responder sim significa alçar a Educação Básica ao status de serviço público federal, assim como é parte do ensino superior e as 440 escolas militares de educação. Para os profissionais que hoje atuam sob a inépcia dos estados, pode ser a porta da idealizada valorização, que de tão antigavirou palavra suja nos discursos das elites políticas e econômicas, as mesmas que fizeram da “crise da educação” um projeto institucional.

Para cumprir com o previsto, será necessário aprovar cerca de R$ 159 bilhões em recursos na Lei Orçamentária Anual do primeiro ano do novo modelo. Com efeito, o PDS 460/13 visa normatizar todas as ações legislativas nesse sentido – incluindo-se aí algumas metas do Plano Nacional de Educação -, amparando-se na manifestação soberana do povo brasileiro a fim de acelerar a formatação institucional do financiamento da Educação Básica a cargo da União.

Mas por que se torna importante efetivar esta ação? Tornar a educação básica uma obrigação do Estado brasileiro pode ser a forma de fazer com que parte dos royalties do pré-sal destinados a mesma materializem-se em um projeto nacional de educação, cujo aporte financeiro estimado para os próximos trinta anos gira em torno de R$ 1 trilhão, suficiente para readequar as partes que integram o sistema de ensino - desde a remuneração profissional até a reconstrução do espaço escolar -, tornando-o mais condizente com o paradigma teórico atual, por sua vez amplamente inspirado na pedagogia libertadora de Paulo Freire.

Outro aspecto que torna relevante a federalização do ensino é o caráterda participação da inciativa privada no sistema educacional. Ou melhor, das barreiras que são levantadas ano a ano pelo setor privado, que não abre mão dos incentivos que a União concede a tais instituições.

É oportuno refletir sobre o poderio com que o lobby deste setor atua no Congresso nacional, justamente por que uma escola pública de excelência através da federalização pode corrigir um erro histórico dos constituintes: o de ter permitido que o setor privado operasse uma função que deveria ser essencialmente pública, fato que não se concretizou justamente pela atuação de luxo que o empresariado brasileiro teve junto ao legislativo na formulação da Carta de 1988, abrindo os campos da saúde e educação para os homens de negócios especialistas em transformar direitos sociais em mercadoria.

Existem duas frentes nas quais é preciso ocupar terreno neste embate. Primeiro, enfrentar o setor educacional privado aprovando a federalização dos recursos da educação via consulta popular, de modo que a soberania do voto se sobreponha às ações do Congresso sob a influênciado lobby privado; segundo, incitar a participação da sociedade civil no processo de definição das linhas mestras que vão orientar a normatização da nova educação básica sob a esfera federal.

Para tanto, é necessário considerar o preceito básico que orienta todo o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): a gestão democrática das instituições de ensino, condição que permite a cada escola construir a sua concepção pedagógica e empregar os recursos disponíveis em projeto educacional próprio, com a diferença de que o aporte financeiro será maior com os recursos federais, permitindo transformações efetivas na infraestrutura, desde as paredes que aprisionam até a construção de laboratórios multitemáticos, por exemplo.

Operíodo histórico que o Brasil vive apela para a participação, pois as travessias a serem realizadas não ocorrerão sem o esforço conjunto dos setores envolvidos. Em tempos de vitória da coalização de centro-esquerda e o fortalecimento do conservadorismo no Congresso, é imperioso que o magistério nacional organize-se em torno de um mínimo em comum: uma instituição de ensino capaz de proporcionar as condições para a superação do ensino utilitarista dominante,em cuja visão tecnocrata da vidaas ideias de mercado se sobrepõem à valorização humana.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Algumas conclusões a respeito das manifestações de 15/03 e 12/04

Alex Oestreich
As manifestações que ocorreram nos últimos trinta dias em diversas capitais do país tem em comum um discurso de inconformidade com o atual governo e de modo mais pulverizado a confluência de discursos difusos de vários grupos que pediam desde o fim da corrupção – como se isso fosse um problema pontual, sem precedente histórico, “culpabilizando” o governo do PT por sua gênese – até o retorno da intervenção militar. No entanto, para além da verificação do óbvio nas inúmeras demandas, que podiam ser visualizadas nos cartazes e palavras de ordem pintadas em verde e amarelo, existem algumas conclusões que podem e devem ser melhor analisadas, pois apontam para uma nova relação de forças no cenário brasileiro. Novos atores saíram às ruas, imbuídos de um discurso que ainda não foi bem compreendido pelos seus críticos e mesmo pelos seus apoiadores. Entre o misto de perplexidade e indignação, procurou-se falar em legitimidade ou ilegitimidade das manifestações e sua relação com a democracia.

Afinal, a rua é de quem? E para quem?
Historicamente as ruas são locais privilegiados para a ocorrência de manifestações, sejam elas artísticas, politicas, populares ou não. O Brasil tem um longo histórico de manifestações políticas e populares utilizando a rua como espaço privilegiado, tendo sido interrompidas em parte, ao longo dos anos em que a ditadura civil-militar foi instituída como forma de governo no país (1964-1985). Após a redemocratização as ruas foram palco de diversas intervenções populares, muitas delas organizadas e viabilizadas por setores filiados ao Partido dos Trabalhadores e à CUT. Durante muitos anos o protagonismo desse tipo de ação esteve vinculado aos setores trabalhistas e sociais, que tinham em grande medida o PT como catalisador de seus discursos. Com o passar dos anos e a consecutiva chegada do partido ao poder, houve uma grande reorientação neste sentido.

As jornadas de junho de 2013 organizadas em sua maioria pelo MPL foram paradigmáticas neste sentido, pois as ruas foram ocupadas por outros atores, de diversos estratos sociais e políticos. Apesar de bandeiras especificas como a questão da melhoria da mobilidade urbana, aumento das passagens entre outras, observa-se que houve diversos grupos em que, cada qual a sua maneira, tentou utilizar as ruas como lócus privilegiado para a exposição de suas ideias/anseios. Chegou-se a um ponto em que a disputa pelo protagonismo nas manifestações e a perda de controle de parte da massa levou a criação de uma visão deturpada do processo em si, forçando os organizadores a se retirar.

No entanto, desde as manifestações de junho de 2013, verifica-se um processo de ocupação do espaço público para protesto diferente do que vinha sendo praticado até então. Novos atores sociais aprenderam – ou reaprenderam – o caminho da rua, modificando drasticamente o processo de protagonismo das manifestações de rua no país. Esse fato está diretamente ligado ao processo de aparelhamento do PT ao nível governamental. Recentemente em entrevista ao VICE, Cláudio Couto (FGV) afirmou que a perda do monopólio das manifestações de rua por parte do PT e dos setores vinculados ao partido está “relacionada a um grande desgaste do partido diante de uma parcela da sociedade, uma parcela crescente da sociedade. E é isso que mostra a perda de poder. O PT perdeu um recurso crucial seu, que era o poder de promover mobilizações sociais como as que a gente presenciou no período posterior à redemocratização. Isso começou a fazer água de uns tempos pra cá, talvez do governo Dilma pra cá".

Ainda segundo o cientista político da FGV, não há um bloco, ou mesmo um grupo majoritário, capaz de aglutinar esta confluência de vozes dissonantes [ainda]. Não havendo um “ganhador” com essas manifestações, não significa que não tenhamos um grande perdedor, que neste caso é o atual governo. Imobilizado como consequência direta de suas alianças a nível político, vê sua base de apoio minguar. Até o momento não houve capacidade de reação à altura por parte da base aliada ou dos setores sociais que a compõe.

Legítima ou ilegítima?
Sob qualquer ótica, uma manifestação de crítica ao governo é salutar e bem vinda, como já foi ressaltada pela própria presidente. Manifestar contrariedade ou mesmo inconformidade com o governo e suas ações é uma atitude até então pouco utilizada pela população e deveria ser transformada em hábito para que tenhamos de fato uma democracia participativa. Porém, o que se verificou no dia em questão foi um aglomerado de pessoas pedindo, ou melhor, praticamente implorando uma intervenção militar constitucional (?), seja lá o que isso signifique. Com cartazes de cunho autoritário e muitas vezes intimidadores, verificou-se de tudo: desde bonecos enforcados representando a presidente em exercício até frases que queriam abolir a “doutrinação marxista” de Paulo Freire.

O que chama atenção é o paradoxo criado pelo simples fato de existir dessa manifestação: Pessoas exercendo o direito democrático de livre manifestação para pedir intervenção militar e retorno da ditadura.

Mas então, a manifestação foi legitima ou não? Bem, sim e não. Foi legitima, pois todo cidadão ou grupo de cidadãos tem o direito constitucional de se manifestar, a favor ou contra o governo instituído. Mas ao mesmo tempo foi ilegítima, quando traz no bojo de seu discurso temas como a intervenção militar, palavras de ordem de cunho autoritário e mesmo representações violentas (até uma suástica foi identificada nos cartazes). O único indicio de democracia presenciado esteve associado ao direito garantido pelo estado, o qual é veementemente rechaçado pelos manifestantes, da livre manifestação.

O que esperar?
Conforme o programado, no último dia 12 ocorreu mais uma onda de manifestações “democráticas” pelo impedimento do atual governo. Da mesma maneira como ocorreu em 15/03, viu-se uma onda de verde-amarelismo hipócrita e sem propósito invadindo as ruas das principais capitais brasileiras. Motivados por um ódio de classe e uma inconformidade plantada, estes indivíduos fazem uso de todos os recursos disponíveis para desestabilizar o clima democrático que vem sendo assegurado sob duras penas desde 1988.

O que fazer?
É necessário, portanto, reagir. Os movimentos sociais e a população em geral comprometida com a democracia devem ir às ruas e mostrar que a legitimidade desse grupo que protesta é parca e muito menor do que está sendo alardeada pela velha mídia conservadora e golpista. Não se deve confundir que uma manifestação contrária a este movimento obscurantista seja de fato em favor do governo, pois não o será. E nem deverá ser.

Uma manifestação massiva e popular urge dessa conjuntura, não em favor de uma personalidade política, ou mesmo um partido, mas em favor da democracia como regime de governo. Não ideal, como um modelo acabado (e inexistente); com problemas sim (e muitos), mas que deve ser reorganizada pela ação popular e participativa e não por um golpe com aspectos democráticos que solicita o linchamento de pessoas ou a intervenção dos militares.