Geraldo Prado*
Pessoas gostam de pessoas. Esta foi a melhor frase que ouvi nos últimos dias.
O direito tem uma dimensão comunicativa que muitos teóricos depreciam ou minimizam, preocupados com o que lhes parece ser um (indesejável) retorno ao movimento do direito livre ou ao Critical Legal Studies Movement.
Penso que em um período fortemente marcado pelo reacionarismo, a mera evocação da palavra "livre", associada ao direito, cause esgar, que se transforma em náuseas quando lhe adicionam referências ao elemento "politico", ou à centralidade da política no direito.
Não pretende-se discutir teoria jurídica, mas sublinhar o impacto que o discurso jurídico tem o poder de causar em nossa sociedade e que, na decisão da Suprema Corte norte-americana, pesa menos pelo ângulo do "jurídico" (o casamento) e mais por aquilo que é mais profundamente humano: o reconhecimento de que pessoas gostam de pessoas.
Sem entrar no mérito sobre se existe uma "natureza propriamente humana", é possível estabelecer algum consenso em torno da ideia de que a cultura produz camadas de condicionamentos que praticamente podem condenar à invisibilidade aquilo que é mais instintivo e que se revela uma característica de todos os seres humanos.
Pessoas gostam de pessoas. Uma determinada camada da cultura pode pretender "naturalizar" que pessoas gostam de "pessoas do sexo oposto"; outra, por diferentes razões, pode afunilar ainda mais o conceito, com efeito de naturalização, e construir a representação social-político-jurídica de que "uma pessoa gosta apenas de uma outra pessoa do sexo oposto".
Estes processos culturais acumulados podem ser reforçados pelo estereótipo de que "macho significa força que significa homem" e "fêmea significa fragilidade que significa mulher carente de proteção", que, claro, será oferecida pelo "macho-homem".
E as camadas culturais nos envolvem até serem rompidas pela inevitável resistência que se opõe a partir da noção de que o que se tomava por "natural" são construções sociais resultantes de um contexto de exercício de poder e de prática da opressão.
Creio que a principal virtude de todas as decisões jurídicas como a da última sexta-feira esteja em proporcionar as condições concretas para o rompimento dessas estruturas de poder, cujas consequências perversas produzem sofrimento e dor.
Pessoas gostam de pessoas, independentemente do sexo, e isso não pode ser manipulado como (mais um) instrumento de dominação.
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América caminha na direção de romper com esta forma de dominação.
É muito bem-vinda! Não se trata, apenas, da vitória do amor como sentimento que solidifica laços, mas de uma expressiva vitória contra os grilhões que atormentam as pessoas e servem de pretexto para uma outra caraterística presente entre os humanos: há pessoas que odeiam outras pessoas que lhes evocam a pessoa que são, mas que está coberta por camadas de repressão e censura.
*Geraldo Prado é doutor em Direito pela UFG, pós-doutor na Universidade de Coimbra e professor na UFRJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário