domingo, 31 de maio de 2015

Pela educação sentimental da pós-tolerância

Alexander Martins Vianna
Estou preocupado com a situação de alunos na UFRRJ que sofrem hostilidades mais ou menos explícitas, temperadas com (auto-)rejeição, que desembocam em depressão e isolamento social e psicológico. Estou falando de um vetor específico: a desvitalização social e psicológica de pessoas por conta de sua orientação sexual. A situação só piora se isso vem carregado com mais três fardos: racismo, liporracismo e preconceito social.
Fotografia: Alamsyah Rauf 

Preocupa-me o fato de ainda haver um reducionismo biologizante na forma de se conceber ou entender a sexualidade e, pior ainda, restringi-la à questão das formas como uma pessoa faz sexo. Isso cria um efeito dominó perverso: para não se submeter à mediocridade, violência e ignorância do ambiente, muitos acabam fechando-se num mundo à parte de gueto (com um igual risco de simplificação na edificação de identidades), ou caindo em autocomiseração e autocastração, ou assumindo contra si a opressão e simplificação ambientais ao trancar dentro de si um mundo de experiências como se fosse delito. 

É chato não poder compartilhar uma simples experiência de acerto ou erro de namoro ou paquera porque o ambiente é hegemonicamente heteronormativo e patriarcal. Tudo só piora quando há incompreensão no ambiente familiar ou vicinal, ou mesmo em “redes de amigos”. É péssimo para qualquer pessoa, em processo permanente de edificação, perder a esperança ou o desejo de continuar neste mundo, tornando a morte uma opção racional para interromper a dor de se sentir “anormal” e “rejeitada” em relação à hegemonia de um código social unidimensional.

Todo mundo perde quando a diversidade é interrompida. Perde-se a chance de expandir o horizonte de experiências e estranhar hábitos e categorias de percepção e avaliação sobre pessoas, mundo e coisas. Joga-se fora a possibilidade de expandir as subjetividades, sem se preocupar com rótulos ou com arranjos da condição humana em guetos ou gavetas.

Para mim, a tolerância não é mais suficiente. Precisamos ir além: para o aprendizado da pós-tolerância. A tolerância está muito carregada do jogo diferencialista entre “tolerante” e “tolerado”, “regra” e “exceção”, em coabitação e ignorância recíprocas – e tacitamente assimétricas. Simplesmente é empobrecer-se política e culturalmente enquadrar pessoas em nichos para serem codificadas como aceitáveis num quadro de normas que permanece inabalado na sua forma de permitir a “exceção à regra”.

O corpo e a consciência pertencem a cada um, mas não são ilhas: são processos inacabados até o último suspiro. O quanto de mar cada um se concede para conectar as suas continentais feridas, experiências e alegrias? Precisamos de uma educação sentimental na escola e na família, na casa e na política. Precisamos de mais empatia, dessa energia socioemocional que enxergue o Outro em sua complexidade formativa, como processo e trajetória abertos. Precisamos não nos deixar levar pela violência subjetiva. Precisamos atentar para a violência estrutural que ata a todos e fere tão profundamente que anestesia.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Por uma Escola Deformadora

Christian Silva de Castro
Temos o costume de pensar a escola enquanto um espaço de formação, de construção. Uma fábrica, de diferentes proporções, que tem como premissa fundamental fornecer peças que garantam o bom funcionamento da sociedade. Entretanto, chega a ser espantosa nossa reação ao ver como anda o funcionamento de nossa sociedade. A violência e o sexo banalizados, casos de corrupção estampados em todas as manchetes quase que diariamente tudo ao mesmo orquestrado por um coro de gritos clamando por uma reforma às avessas em oposição ao silêncio da maior parte da população.

Fica o questionamento, incessante como um martelo em uma bigorna, de que algo nas entranhas da “máquina social” não está funcionando direito. Ouso questionar também se não são às peças a razão desta pane no sistema ou ainda se às origens são mais profundas e chegando aos corredores, por vezes empoeirados, das fábricas doravante chamados de escolas. A primeira imagem que surge em nossos pensamentos quando invocamos uma fábrica em nossa mente é a de um conjunto de máquinas trabalhando em um ritmo cadenciado sob o olhar atento de um operador altamente especializado. Cada movimento, cada segundo é minimamente calculado visando aumentar a produtividade ao máximo, existe um controle rígido de qualidade que separa os objetos com defeitos dos demais, tudo é rigorosamente quantificado, padronizado. Por mais ingênua que seja esta comparação, ela não é nova. Nomes como Rubem Alves e mais recentemente Jaqueline Moll já utilizaram essa analogia entre o ambiente fabril e o universo escolar. Nos cabe na condição de educadores refletir sobre nossa parcela de responsabilidade na montagem das peças que movem a máquina social.

Também não é nova a preocupação com a produtividade escolar. Periodicamente educandos e educadores são submetidos à provas, avaliações, testes e comparações – por vezes incomparáveis – que demonstram o quanto nosso processo de produção está defasado. Manchetes apontam a educação como um elemento sucateado e constantemente desvalorizado, etc. apesar dos diversos investimentos (físicos, econômicos e intelectuais) o panorama permanece o mesmo. O foco permanece no resultado, nos números finais e no alívio de estarmos um passo a frente da Indonésia nos rankings internacionais de educação e dia a após dia desconsideramos o processo. Convido todos a refletir sobre quais elementos devem mudar nesse processo. Acredito que a chave para a produção de peças deve ter como premissa os defeitos. Ora, se estamos, enquanto escola, abastecendo a sociedade com peças que passaram no controle de qualidade, a solução não seria então produzirmos peças com defeito que de alguma forma mudem o funcionamento da máquina? Precisamos então refazer os moldes que dão origem a estas peças o que é perfeito pois afinal de contas, quem produz esse molde somos nós, os professores.

Para repensar o molde é necessário antes levar em consideração a função da instituição escolar. Acredito na educação enquanto caminho para formação integral dos indivíduos para que assim consigam desempenhar de forma plena suas funções na sociedade. Ou seja, se faz necessária, dentro dos muros escolares, ou, nos corredores da fábrica, que se transcenda os tradicionais conteúdos eruditos, e por vezes, fechados em si mesmos. É preciso incluir na receita dos novos moldes, elementos como a música, o teatro e doses generosas de criatividade em todas as etapas do processo educacional. Obviamente, para uma mudança nessas proporções outros elementos devem ser igualmente repensados.

Analogias a parte – Rubem Alves costumava dizer que elas eram a melhor forma de construir a aprendizagem -  boa parte das mudanças que o contexto escolar necessita independe de intervenções estruturais oriundos do governo, obviamente um governo que invista em educação – e que tenha esse investimento refletido em práticas pedagógicas efetivas – é essencial. Elementos como a flexibilização da grade de horários, arranjo das classes em sala de aula e a oferta das disciplinas – no que tange aos temas e na forma como esses serão abordados – dependem quase que exclusivamente do corpo docente e da gestão escolar.

Atrevo-me a questionar então por que boa parte destas mudanças não são implementadas? O que se vê é uma sociedade que reverbera dentro da escola quando é oposto que deveria acontecer. Em tempos de uma apatia crítica e um maniqueísmo político cego, discursos midiáticos que nos bombardeiam com informações quase sempre sem utilidade nenhuma a não ser nos deixar mais cegos, urge a necessidade de repensar a educação enquanto uma necessidade social primária. Vamos?

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Adeus, ovelha negra! - COLUNA CAVANDO BURACOS

Daniel BaptistaCOLUNA CAVANDO BURACOS
A rádio Ipanema FM 94.9 encerra as atividades hoje, dia 18 de maio de 2015. A rádio passará a operar apenas pela internet, e no lugar do seu dial, a rádio Bandeirantes (que também ocupa a faixa AM 640) irá transmitir a sua programação. Pelo lado técnico é compreensível a mudança. Em 2008, a rádio Gaúcha passou a operar na plataforma em FM, simultaneamente com a frequência AM. Em 2011, a Rádio Grenal da rede Pampa de comunicação passou a operar também em FM, isso fez com que a rádio Band AM 640 perdesse boa parte de seu público esportivo, já que as programações da Gaúcha e da rádio Grenal se dirigem, fundamentalmente, ao futebol. Contudo, ainda é apenas especulação, considerando o cenário atual, até porque Renato Martins, diretor de jornalismo da Bandeirantes no Rio Grande do Sul, afirmou que se trata de uma decisão estratégica para ampliar os investimentos na rádio Bandeirantes.
 
O fato é que a Ipanema ocupa um importante espaço na memória coletiva. Há mais de trinta anos, a rádio era conhecida por ser o “lado b”, ou o “lado n” como foi o seu slogan por algum tempo, ou mesmo a ovelha negra das rádios FM’s. Todas essas definições já apresentavam a cara da rádio. Boa parte do cenário musical gaúcho e bandas que não faziam parte do mainstream pop passavam pela programação, principalmente na década de 1990. Foi na Ipanema, por exemplo, que eu conheci e comecei a ouvir rap – nacional e internacional – no programa Projeto rap Porto Alegre, enquanto os meus amigos ouviam SPC e Katinguelê. O Mundo Metal exibia bandas que iam do trash ao progressive metal, a programação da rádio ia de Chico Buarque a Krisiun na maior naturalidade, e ainda tinha um excelente programa de jazz e blues e também havia o Programa Gay dirigido ao público GLBT.

Não me espanta nem um pouco a comoção causada pelo anúncio de seu fim entre os gaúchos, e em especial os porto-alegrenses, pois ela acompanhou o cenário underground gaúcho - apesar de nos últimos anos apresentar uma descaracterização – e foi marcante para a cena cultural gaúcha. A rádio deixará saudades, a plataforma FM irá ficar mais artificial e sem graça, uma vez que estará inflada de músicas comerciais, vazias e com a finalidade estritamente mercadológica. O business absorveu e engoliu o underground, que segue sufocado e sem espaço graças aos padrões modernos. Está sendo assim a vida... Não interessa a cultura, os espaços, a diversidade, a memória... Adeus Ipanema!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Servidores de Porto Alegre em greve contra PL do “Efeito Cascata”

Davenir Viganon
Durante a manhã de quinta-feira (14) ocorreu uma nova manifestação organizada pelo SIMPA (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) em frente a sede da Prefeitura da capital, onde os manifestantes receberam a proposta do prefeito. Na tarde do mesmo dia a assembléia dos servidores decidiu pela recusa da proposta e a greve que começa na próxima quarta-feira.

Os manifestantes, que passaram toda a manhã concentrados em frente a sede da prefeitura da capital, reivindicavam do prefeito José Fortunati que desista do atual PL 11001652232 e negocie um novo. O projeto prevê o recálculo do salário dos servidores e se aprovado pela Câmara Municipal estima-se que o salário dos servidores acabe reduzido em cerca de 30% que por sua vez seriam revertidos em abono que não se incorporam para a aposentadoria. Essa redução está sendo chamada de “Efeito cascata”, devida ao desconto salarial ser progressivo.
 
Os manifestantes pintaram no chão em frente a prefeitura o slogan

#SeTemPraFazendaTemParaTodosMunicipários que denuncia a contraditória medida do prefeito Fortunati de conceder um substancioso aumento salarial aos cerca de 150 auditores fazendários que passaram a ganhar cerca de 25 mil reais, enquanto os servidores atingidos pelo “Efeito Cascata” podem ter seus salários rebaixados abaixo do mínimo.

A grande maioria dos manifestantes são da área da educação, contudo muitos outros servidores poderiam ter participado da manifestação se não estivessem em condições precarizadas pela terceirização praticamente total no DMAE e DMLU e que também avança na área da Saúde, aponta Anézia Viero da ATEMPA que também critica a instalação do relógio ponto “que não corresponde ao trabalhador da educação que tem de levar trabalho para casa”, referindo-se ao tempo remunerado para os professores prepararem as aulas e corrigirem avaliações dos alunos. “Para o controle tem investimento, para o trabalhador não”, concluiu Anézia.

O grupo de professores das “Escolas dos Altos do Partenon”, zona leste da capital, se encontra desde ontem, quarta-feira (13), em frente à “loja da fazenda” (local estratégico de arrecadação), porta traseira da Prefeitura Nova, explicando aos contribuintes, que vinham buscar serviços fazendários, os motivos da manifestação dos municipários. Fabrício Costa, professor da Escola Morro da Cruz, explica que a mídia exerce papel decisivo em processos de reivindicação como este e que o trabalho de conscientização e diálogo com a população é fundamental. Acrescentou, também, que é preciso tornar visível para a população as precárias condições de trabalho nas escolas, como a falta de guardas, falta de professores, insuficiência de estrutura física e de recursos materiais, imposição e desrespeito a “hora-atividade”, o ponto eletrônico arbitrariamente imposto e tantas outros problemas, evidenciando assim o total sucateamento e descaso que o serviço público na área da educação vem sofrendo.

As 11hs da manhã a representação do SIMPA recebeu a proposta oficial através do  prefeito em exercício Sebastião Melo, de 8,17% (inflação) parcelado até maio de 2016 e por volta da primeira hora da tarde os manifestantes se dirigiram a assembléia que decidiu pela rejeição da proposta e pela greve, que começa na próxima quarta-feira.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Thomas Hobbes e o assalto da ambulância

Dhiego Recoba
Um fato insólito ocorreu em Porto Alegre no último dia 07. Incomodados com uma ambulância que estava estacionada para atender a um chamado em um bairro conhecido da cidade, dois motoristas resolveram invadir o veículo a fim de deslocá-lo cem metros à frente. A justificativa: estava atrapalhando o trânsito. Thomas Hobbes ficaria confuso se conhecesse nossos “cidadãos de bem”.

Dois cidadãos porto-alegrenses indignados tomaram uma atitude nada convencional e tampouco solidária na noite de quarta-feira passada. Tomados pela ansiedade que cada vez mais domina os habitantes de grandes cidades, decidiram remover uma ambulância que prestava atendimento na rua Fernandes Vieira, localizada no bairro Bom Fim.

Segundo as informações disponíveis no portal ClicRBS – pertencente ao mesmo grupo investigado pela operação Zelotes da Polícia Federal –, a ambulância estava parada em frente ao número 512 e com a sirene ligada. Incomodados com o que consideraram um estorvo, os dois indivíduos tentaram entrar no veículo pelas portas do motorista e traseiras. No entanto, após o insucesso, conseguiram entrar pela porta do carona.

Após fazer o seu trabalho, o socorrista da ambulância ficou surpreso ao sair do edifício e não encontrar o veículo no mesmo lugar em que havia estacionado. “Se fosse com um familiar deles, não teriam feito isso”, afirmou à reportagem do referido portal de notícias. O atenuante de toda a história foi que o paciente não necessitou ser transportado pela ambulância. Mesmo assim, o fato não deixou de causar estranheza, gerando reações divergentes das pessoas que comentaram a matéria no site. Em sua grande maioria, as opiniões encontradas foram de repúdio às atitudes dos anônimos que decidiram “tomar de assalto” a viatura da SAMU. “Que mundo imundo.... quem presta atendimento de urgência em saúde é acusado de folgado e preguiçoso (será que a burrice é tão grande que não permite saber que neste tipo de atendimento o veículo deve ficar o mais próximo possível da vítima?”, questionou um internauta.

 “Quero ver tu manter a mesma opinião quando o atendimento do SAMU for pra um familiar teu. Quando tiverem que sair com a maca na rua catando a ambulância pra tentar salvar uma vida porque dois idiotas tavam apressadinhos pra chegar em casa e ver a novela”, disse outro navegante do site. Por outro lado, uma das poucas opiniões dissonantes disse: “Pelo jeito tu não é motorista. Tá com alguma emergência? Estaciona numa entrada de garagem então, em vez de ficar atrapalhando a vida dos outros”.

Segundo o código brasileiro de trânsito, “os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente” (Art. 29, Inciso VII).

Episódios como esse remetem-nos ao Estado de Natureza conceituado por Thomas Hobbes, em meados do século XVII. Vivendo em guerra permanente, os homens garantiriam o principal dos direitos – à vida –  com a formação da sociedade civil regida pelo contrato social, que por sua vez é o resultado da renúncia da liberdade plena – porém insegura – encontrada no estado natural. Se é verdade que o Estado hobbesiano consolidou o poder absolutista (expresso nas célebres palavras de Luís XIV, “O Estado sou eu”), ao mesmo tempo uma das características do Estado moderno em gestação desde o final da Idade Média era a sua impessoalidade, consolidada como um princípio fundamental dos regimentos jurídicos modernos.

Ainda que o ordenamento jurídico e administrativo valha para todos, vê-se com frequência a inversão deste princípio. As leis são manipuladas em benefício próprio, e usualmente os cidadãos que assim o fazem invocam um certo direito de proceder de tal forma, justificando os próprios atos a partir das peripécias protagonizadas pela classe política, como se os descalabros dos “de cima” justificassem os delitos rotineiros dos “de baixo".

Não importam as razões. Fato é que cada vez mais a razão egoística se sobrepõe ao regramento coletivo. Curiosamente, os protagonistas são os mesmos que costumam bradar por um país mais correto, mas demonstram uma incapacidade crônica de compreender que não se constrói a sociedade idealizada sem renunciar em alguns momentos a certos direitos individuais, como no caso do referido acontecimento em que o direito de ir e vir foi restringido. Da resolução deste contrasenso depende o nascimento do Brasil que se exige nos discursos demagógicos que ecoam nas ruas.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O bebê real e o suspiro de jornalismo áulico

Davenir Viganon
A chegada do segundo filho do Príncipe William e da Princesa Kate ganhou destaque na imprensa brasileira. Os jornais eletrônicos e impressos brasileiros não se furtaram de lançar vários textos e notas televisivas repletas de afeto sobre o nascimento da menina. No intuito de retornar às origens, os grandes veículos jornalísticos do Brasil noticiaram como se fazia no período de transição da colônia para o império, quando se lançou o primeiro jornal impresso de nossa história.
Mesmo separado por quilômetros de oceanos, os grandes veículos jornalísticos brasileiros nos brindaram com um bombardeio de notícias sobre o nascimento do bebê real, o segundo filho do Príncipe William e da Princesa Kate, os futuros herdeiros da coroa britânica. Mesmo antes de a menina chegar ao mundo, o alarde já era iminente, e após o nascimento ser noticiado, o público foi informado diversas vezes por todos os grandes jornais.

O Estado de São Paulo chegou a publicar absurdos oito textos contemplando apenas o nascimento. Não muito atrás, foi possível encontrar sete ocorrências em O Globo, enquanto a Folha de São Paulo, o Portal G1 e o Zero Hora somaram quatro registros cada. O Portal da BBC Brasil (que tem o seu original na própria Inglaterra) noticiou apenas três vezes, no dia 2. Também foi notável a ternura emitida por alguns âncoras durante a programação televisiva, uma vez que se pretendia demonstrar a existência de parentesco com a recém nascida ora com os telespectadores, ora com os apresentadores.

O tratamento dos jornais brasileiros para com assunto em tela seguiu o exemplo dos antigos opúsculos – verdadeiros textos de puro elogio – publicados na Gazeta do Rio de Janeiro, dirigidos por membros da monarquia colonial no Brasil, quando já haviam chegado às terras brasileiras desde 1808. Neste suspiro de imprensa áulica, o moderno veículo informativo remete ao tempo em que os súditos deviam naturalmente adorar os seus monarcas. E apesar de não idolatrarmos mais o poder absolutista, o fetichismo voltado ao luxo e à riqueza é necessariamente cultuado.

Nas páginas virtuais de ego.com, temos diariamente (des)informativos sobre os famosos, os quais avisam onde “fulana irá tomar sol e mostrará corpão em Copacabana”. Esta é apenas uma das escancaradas faces de adoração ao consumo no capitalismo. Reis e suas cortes são desnecessárias para fazer-nos prostrar e desejar ardentemente sermos iguais a eles, apenas indicam outro modo de fazê-lo. Ainda assim, o jornalismo lacaio insiste em cumprir a missão do dia.

sábado, 9 de maio de 2015

A solidariedade nas ruas

Davenir Viganon / Daniel Baptista
Ocorreu em Porto Alegre nesta sexta-feira (08/05) o Ato de apoio aos professores em luta – A educação não pode ser espancada. Convocado através das redes sociais, a mobilização teve seu início às 18 horas, concentrando-se no largo Glênio Peres e dali seguindo até o Palácio Piratini.
O evento contou com a mobilização de diversos movimentos sociais, que se articularam em prol da educação e em apoio aos educadores do Paraná – vítimas de uma desastrosa e terrível ação da polícia militar daquele estado. “Este ato, além de ser solidário aos professores do Paraná, é uma ação preventiva para mostrarmos ao governo Sartori que não será tolerada a mesma coisa que ocorreu no Paraná.” Declarou o deputado Pedro Ruas.
 
Professores, estudantes e trabalhadores da causa dos professores caminham pela Av. Borges de Medeiros.

Outro fator importante que merece registro é que diversos trabalhadores de outras áreas estavam presentes e demonstraram todo o seu apreço aos professores durante a caminhada. “É importante apoiarmos os professores, pois todas as profissões dependem da educação. Estamos aqui presentes também para representar os trabalhadores do interior e demonstrar que a classe trabalhadora esta unificada e que a luta dos professores é a luta de toda a sociedade.” Declara Paulo Cezar, morador de Canoas e membro do sindicato dos aeroviários.
Militantes erguem faixa que demonstra a insatisfação com o governador do Paraná

Palavras de repúdio diante das ações truculentas do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), foram entoadas durante o trajeto. Os presentes contaram também com o apoio entusiasmado do movimento estudantil, que marcou uma importante presença no ato entusiasmando a professora Maria Lúcia: “Somos solidários aos nossos colegas paranaenses e estou muito feliz em ver a juventude apoiando esta luta. Queremos deixar claro ao governador que a educação não pode ser tratada deste jeito e que cenas como aquela no Paraná não vão acontecer aqui!” Declara.

O ato transcorreu sem maiores problemas durante toda a sua duração. Os professores e demais militantes mostraram todo o seu apoio e solidariedade com os companheiros de luta do Paraná e repudiaram as políticas fracassadas que estão levando a educação para o fundo do poço. É necessário apoiar e divulgar ações como estas que visam melhorar a educação e que lutam contra a retirada de direitos dos trabalhadores.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

O preço de uma piada

Dhiego Recoba
Ser eleito fazendo piada com o piso dos professores parece que insuflou a vocação humorística do senhor Sartori. Em reunião com os representantes de quarenta e seis entidades de classe do funcionalismo público do RS, uma nova anedota feita pelo governador gerou desconforto, a ponto de os representantes do funcionalismo gaúcho especularem sobre a possibilidade de uma greve geral. E quem pagará pelo senso de humor indevido é a sociedade.
No intuito de tentar convencer a sociedade e o funcionalismo público estadual, mais uma vez José Ivo Sartori (PMDB) e o núcleo de seu secretariado reuniram-se com os representantes de quarenta e seis entidades de servidores no dia 27 último, a fim de expor os dados acerca da crise financeira vivida pela administração pública do Rio Grande do Sul. 

Segundo informações de Flávia Bemfica, expostas no jornal Correio do Povo do dia 28 de abril, a velha cantilena de Sartori produziu o consenso de irritar a todos, o que levou os integrantes a saírem do encontro “falando abertamente na possibilidade de greve geral”.

De acordo com o vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde, Cláudio Augustin, o discurso do governador não expôs nenhuma novidade, além de reforçar o tom terrorista que a atual gestão tem oferecido à sociedade. A presidente do Cpers, Helenir Oliveira, referiu-se ao fato de o governo não apresentar soluções para os problemas, e ainda questionou a pauta sobre as isenções fiscais (um benefício para o setor privado e um amargo remédio para a sociedade, que vê suas receitas sucateadas historicamente, prejudicando o atendimento de suas demandas). “Solicitamos que o governador utilize seu peso político para pressionar pela tramitação da lei de distribuição dos royalties do petróleo. Mas vemos uma discussão rasteira, que passa para a sociedade informações que não correspondem”, enfatizou.

Já o presidente do Sindicado dos Agentes da Polícia Civil do RS (Ugeirm), Issac Ortiz foi além: “O governador contou umas piadinhas sem graça e foi embora. As coisas estão acontecendo e o governador faz piada. A apresentação foi terrível, e essa questão do déficit a gente já conhece. Se não houver avanço, vamos paralisar”. Segundo consta do encontro, a piada a que se referiu o presidente da Ugeirm/Sindicato falava sobre a história de um navio que afundou e tinha como sobrevivente apenas um italiano, pelo simples fato de que, por falarem muito com as mãos, ajudaram o náufrago a nadar.

Para quem esteve atento ao processo eleitoral, não é de se espantar a forma como o governador enxerga as questões do Estado. Caracterizada pela anticampanha povoada pela ausência total de ideias, o auge do ex-prefeito de Caxias ocorreu quando sugeriu que os professores buscassem o piso salarial em uma conhecida rede de materiais de construção do RS. Ainda assim, foi eleito no segundo turno com a ampla maioria dos votos, em relação ao adversário Tarso Genro (PT).

Cabe destacar a seriedade com que os representantes do funcionalismo público gaúcho têm demonstrado em debater os problemas financeiros do RS. Para elucidar melhor, podemos adotar o espírito criativo do senhor Sartori e fazer uma analogia futebolística: os trabalhadores estão empenhados em bater uma bola redonda, mas o camisa 10 do time não corresponde, pois é um jogador muito ruim, indigno de ocupar tal posição.

O problema que se apresenta é que o técnico deste time, o eleitorado gaúcho, teimou em colocar o “querido do grupo” onde ele não sabe jogar. O preço a ser pago, e que parece cada vez mais evidente, é o de uma greve geral do funcionalismo público em virtude da nulidade que tem sido a atual gestão, pois não pensa em alternativas e só repete a mesma velha jogada. Palmas aos 3.859.611 técnicos/eleitores que preferiram o “nada” em detrimento do “alguma coisa”, ao confundirem miss simpatia com um chefe de estado. Com cento e vinte dias de governo, a sociedade gaúcha já confirmou o que José Ivo revelou durante a campanha em 2014: é o gringo que faz... piada.