Ana Cristina A. de Sousa*
Umberto Eco não poderia ter sido mais genial quando afirmou que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, imbecis letrados... Imbecis letrados de todos os níveis incitam ódio e cultivam a ignorância dos leitores mais desavisados, pregando “verdades” sem qualquer fundamentação logicamente aceitável.
O imbecil não vê o outro, não o escuta, não tem interesse em aprender: ele só quer pregar falsas verdades que ele julga serem absolutas, em busca dos aplausos de outros bandos de imbecis. Autoritário, ele opina sobre tudo o que aparece e zomba de coisas sobre as quais não tem o menor conhecimento. Mais grave: zomba de quem empenhou seu tempo para construir conhecimento e que demonstra o quanto a complexidade das coisas não mora na superfície dos argumentos ocos e jogos ofensivos de palavra.
Dirck van Baburen, Prometeu acorrentado por Vulcano, com apoio de Mercúrio (1623).
O imbecil critica os “ólogos”, mas lhe falta a “logia”. Afinal, o imbecil não estuda; o imbecil não lê (com exceção de ‘memes’ de facebook); o imbecil não aprofunda. Ele vive na superficialidade dos valores fúteis vendidos para o consumo daqueles que não desenvolvem senso crítico efetivo sobre a realidade que lhes é apresentada. O imbecil zomba, desqualifica e ignora o conhecimento alheio, pois reconhecer que o outro tem algo a oferecer é reconhecer a sua própria superficialidade e ignorância sobre tudo o qual opina cheio de ventosa autoridade. É perder a Palavra... E sabemos o quanto o imbecil aprecia dominá-La em nome de algum ente estrategicamente especial (para ele): “Deus”, “Família”, “Povo”, “Propriedade”, “Lei”, “Ciência”, “Doutrina”, “Religião”, etc.
O imbecil não educa, professa... Dito isso, é possível entender também o motivo pelo qual o imbecil despreza tanto o meio científico e todos os títulos que dele advém, mesmo tendo ele passado pela universidade. Ele sabe, intimamente, que nunca conseguiria sequer obtê-los idoneamente, sem contar com a ajudinha e o empurrão de outros imbecis infiltrados. Afinal, se o imbecil letrado não é capaz de ler um livro, imagine se conseguiria escrever uma tese, que pressupõe anos de dedicação e aprofundamento em qualquer assunto que seja!
O imbecil não sabe a diferença de visitas ao campo daquilo que chamamos de trabalho de campo. Ele acha que, porque visitou uma instituição, entende toda a sua dinâmica e ridiculariza o discurso dos diversos profissionais que se dedicam a todo um trabalho de campo, com suas teorias e métodos. Gabando-se muito de sua esperteza, o imbecil letrado sequer sabe discernir fontes confiáveis, condensando informações obtidas aqui e ali, além de cometer erros estilísticos dos quais nem se dá conta, o que provoca o desgosto nos letrados um pouco mais exigentes.
O imbecil ignora o imenso gesto de coragem de Prometeu, deus grego que, ao roubar a chama do conhecimento dos Deuses para a Humanidade, pôs em risco a dominação dos mesmos sobre os mortais, sendo, por isso, severamente punido: a dor eterna de ter o seu fígado infinitamente consumido pela harpia. Submisso ao poder, que adora como se fosse deus, o imbecil milita sempre nos bastidores, onde sabidamente não haverá os custos de tomar uma posição aberta ou os riscos de uma punição. Para o imbecil, isso é ser inteligente!...
O imbecil omite-se diante das injustiças desferidas por outros imbecis contra as pessoas sensatas que se manifestam de peito aberto contra as imoralidades políticas e institucionais que os imbecis tanto reclamam, mas que não hesitam em se locupletar quando beneficiados. O imbecil é contraditório: fala, fala, fala, mas silencia se aquilo do qual reclama passa a beneficiá-lo. No fundo, a sua reclamação é inveja, dor de cotovelo, não é indignação sincera. O imbecil nunca perde a oportunidade de aparecer publicamente para estufar o peito e dizer o quanto é corajoso, desde que a coragem não ofereça riscos...
O imbecil considera inimigo quem pensa diferente dele. O único pecado desses inimigos reside em serem mais bem preparados e autênticos do que os imbecis na busca de seus ideais. No fundo, esse rancor é motivado pela inveja de um ideal pelo qual lutar. O “inimigo” do imbecil – “inimigo” feito pelo imbecil, sem conhecimento do “inimigo” – é a prova viva de que o imbecil não tem disposição sincera para lutar por um ideal. O “inimigo” evidencia que o imbecil fala, fala, fala, mas não se prepara para lutar. O “inimigo” é inimigo porque involuntariamente mostra a sua falácia.
Por muito tempo, os meus amigos mais próximos me alertaram que eu, apesar de notoriamente impaciente, era excessivamente tolerante na escuta das pessoas. Isso porque o importante para mim sempre foi a troca, o debate... Mas os imbecis revelaram os limites da minha tolerância. A pregação que castra a minha intelectualidade e a possibilidade da própria troca em si – valores tão valiosos para mim – não merece a minha tolerância, atenção ou debate. Onde não há troca, não é viável evoluir.
Quem autoritariamente se enche de razão (em nome do “Povo”, de “Deus”, da “Lei” ou da “Ciência”) não consegue se esvaziar para o debate e abrir-se para a possibilidade de outras perspectivas. Precisamos ser intelectuais empáticos que quebrem todo um repertório vulgarizado de inacessibilidade, aprendendo a escrever para o não especializado, provocando também educação sentimental. Atualmente, enfrentamos a despolitização privatista, o pragmatismo individual e a pressa irresponsável, ou seja, tudo que mais interessa ao neoliberalismo: cada um no seu cercado, cheio de razão, consumindo o planeta, ignorando-se marcialmente no mercado. Choque, não toque...
Mas não adianta sustentar o debate com quem não demonstra respeito pela escuta, com quem é incapaz de se esvaziar para se preencher outra vez de ideias, principalmente numa “arena vazia” como o Facebook, no qual a falta de “cara-cara real” entre pessoas sentimentalmente deseducadas apenas intensifica o lado mais cruel de personalidades autoritárias, apressadas, inseguras, desrespeitosas e covardes. Enfim, precisamos ser seletivos em relação a tudo o que emperra a nossa evolução intelectual, sentimental, ética e humanitária. Precisamos de uma educação sentimental para nossos filhos não se tornarem imbecis superficiais ou isolados internautas que banalizam o “mal”.
*Formada em História, mestre em Ciência Política e Doutora em Saúde Coletiva
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