segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Brasil como protagonista mundial: Seus parceiros e suas perspectivas (2/3)

Marcos Belmonte
A China como a economia mais dinâmica e pungente do mundo e centro dos BRICS, até o ano passado (2014) se via – ou pelo menos disfarçava seu status de protagonista – como um país em desenvolvimento e não como uma potência estabelecida. Na história recente, mais visível no governo de Deng Xiaopping, a China sempre se manteve o mais afastado possível dos holofotes que iluminam EUA, UE, e Japão. Quanto maior a discrição na atuação chinesa no seu desenvolvimento econômico, melhor. Quando do grande crescimento econômico das políticas de Deng, esse fazia questão de alertar que a China não poderia se tratar de uma grande potência mundial, mesmo com seu crescimento. Ele dizia que o crescimento da China poderia parecer colocar a mesma numa condição de potência, mas não passaria de uma análise equivocada pelo fato de que a China possuía a maior população mundial e uma agressiva desigualdade social. Para Deng, era preciso sanar esse grave problema social, junto ao déficit tecnológico, para que a China começasse a querer ser tratada como potência. Essa mesma postura seguiu também durante o governo de Hu Jintao.

“Segundo o padrão de vida de um dólar por dia estabelecido pelas Nações Unidas, a China possui hoje 150 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Mesmo baseado no padrão de pobreza e renda per capita de 1.200 yuan, a China ainda tem mais de 40 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. No presente, ainda há 10 milhões de pessoas sem acesso a eletricidade, e a questão de empregos para 24 milhões de pessoas tem que ser resolvida a cada ano. A China possui uma imensa população e uma fundação fraca, o desenvolvimento entre a cidade e o campo é desigual, a estrutura industrial não é racional, e o subdesenvolvido estado das forças de produção não mudou fundamentalmente”[1]. 

Contudo, essa postura está enfraquecida pela própria percepção – interna e externa – de que a China ocupa um lugar diferente no rumo da política econômica do planeta. Sua importância é rigorosamente inegável. Sua potencialidade dentro dos BRICS e na economia mundial, mais visível nos anos pós crise de 2008-2009, desperta preocupação da grande superpotência norte-americana. O próprio BRICS sofre – incluindo a China –com ações dos EUA e das grandes potências da OTAN que visam claramente desestabilizar o bloco, com atenção especial contra Rússia[2]. E isso não passou pela China sem que essa notasse[3].

“Em outras palavras, embora o relacionamento com os EUA vá continuar como mais alta prioridade, por causa do poderio militar e financeiro dos EUA, deve-se esperar ver uma China cada dia mais ativa contra o que vê como interferência dos EUA. É novidade que já se viu claramente em outubro, quando o jornal People Daily do Partido Comunista Chinês publicou editorial, durante a ‘revolução dos guarda-chuvas’ em Hong Kong, que interrogava “Por que Washington tanto se interessa por revoluções coloridas?” O artigo citava nominalmente, como envolvida naquela 'operação', a ONG National Endowment for Democracy, dedicada a 'mudanças de regime' pelo mundo e mantida pelo vice-presidente dos EUA. Esse tipo de denúncia direta era impensável há seis anos, quanto Washington tentou criar problemas para Pequim insuflando protestos violentos do movimento do Dalai Lama no Tibete, pouco tempo antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008”[4].

A postura da China é diferente hoje. Um país com uma história milenar voltada para dentro de si; que tratava as outras culturas como bárbaras, que sofreu com invasões diversas, que sempre se viu como centro do universo, “o reino do meio” (...) agora precisa assumir o seu protagonismo mundial e mexer com a própria mentalidade de seu povo para assumirem esse lugar com seu interno conciso e forte.  Existe o problema de a economia brasileira depender exclusivamente, pelo menos grande parte dela, da China, mas é um mercado com fôlego suficiente para manter seu crescimento até 2050. Será de fato o século da Ásia, e será com certeza o século chinês. Portanto, ter um parceiro dessa magnitude dentro dos BRICS é de grande benefício para seus integrantes, apesar da atual desigualdade no âmbito da potencialidade comercial, industrial, financeiro e militar e sérios problemas sociais internos dos membros. Fatos, esses, que fazem os críticos das aspirações dos BRICS à reforma da governança global atuarem, dentro das suas esferas de ação – mídia, especialistas, economistas, políticos e etc. – contra o bloco ou atribuir-lhe menor importância. Contudo é preciso análise mais aprofundada para se ter melhor panorama para emitir semelhantes opiniões.

Apesar das debilidades internas e limitações externas são apontadas como indicadores de que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não reúnem as credenciais necessárias para aspirar à condição de integrantes do grupo de países líderes da ordem mundial. Aqui cabe ressaltar alguns aspectos históricos relevantes. O primeiro deles demonstra que, quando a Inglaterra e, mais de um século depois, os EUA se tornaram lideranças mundiais, viviam situações internas caracterizadas por grandes dificuldades sociais e desequilíbrios. Basta ler os romances de Charles Dickens para ter uma ideia do que era a Inglaterra durante sua revolução industrial. O cinema, por sua vez, nos mostra uma América dominada por gangsters justamente quando os EUA se convertiam em primeira potência mundial. Portanto, há que refletir melhor quando se apontam as incapacidades das nações integrantes dos BRICS[5].    

A Inglaterra teve seu momento de liderança. Os Estados Unidos ainda são líderes do atual capitalismo. A China será a líder do futuro em curto e médio prazo. Mas apesar desse protagonismo chinês, os demais membros dos BRICS estão desenvolvendo seu próprio protagonismo regional. A Rússia está se impondo como líder da Eurásia; a China se põe como líder da OCX[6]; a Índia se apresenta como liderança do sudeste asiático; a África do Sul é a maior economia da África e líder no continente; e o Brasil se apresenta como líder do MERCOSUL e UNASUL. Os BRICS enquanto conceito do mercado financeiro ocidental, que mais tarde passa a qualidade de fórum de discussão, e, finalmente, para bloco político-econômico institucionalizado com melhores perspectivas de crescimento no médio prazo, também se apresenta como bloco que se forma de modo inter-regional, sem ser um bloco que se iniciou motivado pela mesma razão, acaba por abraçar as principais potências de blocos políticos-regionais poderosos, como a própria OCX e o IBAS.

No caso brasileiro, um dos grandes desafios é ser um protagonista da estratégica América do Sul, ou seja, não só do MERCOSUL, mas sim da ALADI. Se o Mercado Comum do Sul vai ser assimilado pela ALADI, ou se a ALADI que será assimilada, ou se ambos os blocos se estruturarão harmoniosa e concomitantemente não temos como saber e não convém especular aqui sobre algo tão importante. O que o Brasil precisa é se tornar o líder da região como um todo e ser aceito pela própria região como tal. Contudo, é preciso ter o chamado “jogo de cintura” para lidar com questões delicadas dentro de um bloco que, não raro, é palco de disputas e/ou contendas entre ambos, tais como a situação frágil da nacionalização do petróleo por Evo Morales na Bolívia e que assimilou para seu Estado fortes investimentos da Petrobrás em seu país contratados anteriormente entre La Paz e Brasília, assim como os entraves com a Argentina sobre a pretensão brasileira a uma cadeira fixa no Conselho de Segurança das Nações Unidas. É preciso que essa liderança e protagonismo sejam pactuados. 

No entanto, podemos notar aparente contradição, pois, o que os BRICS almejam é um mundo multipolar onde todos os estados tenham voz e pratiquem políticas - como diria Xi Jinping, presidente da China – de “ganha-ganha”. Não que esse protagonismo e liderança seja devido a uma espécie de imperialismo brasileiro que se impõe devido ao país ser a grande potência da região e – por esse fato – ele se impõe como liderança natural, pois um bloco formado e inspirado nos pontos de Bandung e no G77 se mostraria contraditório por permitir que isso acontecesse. Óbvio que essa liderança é forjada de várias maneiras no âmbito político, comercial, financeiro, militar e etc. Só não se pode negar o peso brasileiro dentro da região e do bloco, como não se pode negar o peso chinês e russo na Ásia Central, da Índia no sudeste asiático, da África do Sul em África, dos EUA na América do Norte, da Alemanha na Europa etc. Talvez, dentro de todas essas nuances que sustentam a política e ideologia de Bandung, liderança e protagonismo não sejam os conceitos mais adequados, e sim, “porta-voz” regional. Também é necessário que todos os países do bloco – ou dos blocos – regional estejam com as mesmas prioridades políticas e estratégicas para a integração e cooperação na região. Hoje, lideranças políticas vinculadas com os ideais do centro para a esquerda, essa perspectiva pode se tornar mais “realizável”, caso contrário, blocos como o NAFTA, Aliança do Pacífico, União Europeia e até a ressurreição da ALCA seriam preferidas ao MERCOSUL, ALADI, BRICS, IBAS e etc., algo que se tornaria um erro estratégico crasso tomado por lógica unicamente financeira – variável conforme centro do capital – e não política – estruturação de alguma região que não se apresenta imediatamente como grande e principal fonte de potencial econômico, mas sim, como algo com potencial a ser construído -. 

O que nos leva a contradição da própria criação dos BRICS, nascido esse conceito inter-regional com capacidade de forte desenvolvimento e investimento de capital e nada politicamente estruturado, posto que os blocos regionais nascem – via de regra – como impulso político para sua estruturação visando desenvolvimento econômico posteriormente. Trata-se, então, os BRICS de uma instituição voltada para o lado financeiro, pela própria potencialidade de seus membros, e se apresentar como uma espécie de ameaça aos blocos regionais tornando-os secundários em termos de importância? Não creio, pois, os blocos regionais – que se forjaram antes e depois dos BRICS – são estratégicos.

É realmente mais rentável e menos oneroso – ou sem grande risco – estabelecer negociações com vizinhos fronteiriços do que com parceiros além mar. Um exemplo clássico foi a situação do Ramo-sul russo para a Europa, onde o velho mundo tornou insustentável – forçado pelos EUA – o fornecimento de gás natural russo pra Europa, em contrapartida terrivelmente infeliz e contraproducente, substituiu uma pipeline segura da vizinha Rússia para se abastecer do gás transportado por navios dos EUA enquanto não se resolve as contendas no Oriente Médio para abastecer de gás – dos aliados norte-americanos - o velho mundo. E assim as relações comerciais entre os estados nacionais que precisam escoar e/ou importar suprimentos de além mar sempre serão mais dispendiosos do que relações mantidas com vizinhos. Blocos regionais possibilitam ligações infraestruturais mais profícuas, maior possibilidade de conexão política e cultural, maior potencialidade de constituir uma área de segurança e etc., assim como a integração do NAFTA – onde a América do Sul possui projeto similar de integração “IIRSA[7]” que recebe apoios e críticas -. Não estou querendo dizer para se fazer um Tratado de Livre Comércio como na América do Norte, onde Canadá e México realmente tiveram algumas vantagens por ter uma superpotência no bloco, até porque, existem problemas sérios para os parceiros dos EUA no agrupamento regional; nem muito menos estou dizendo que a segurança anda de mãos dadas com a prosperidade, assim como George W. Bush. Mas a possibilidade de um bloco regional coeso, seguindo essa lógica de integração, se devidamente compactuada, é desejável.

Notas:

[1] KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 502.

[2] Como a desvalorização do rublo, como o congelamento de capital russo na Europa, como a patética proibição de algumas personalidades russas de entrar nos EUA, como a tentativa frustrada – até agora – de colocar bases da OTAN na Ucrânia, como o governo nazista ruusofóbico de Petro que fez com que a Rússia rompesse com o fornecimento de gás natural para Europa e, o frequente bombardeio da imprensa-empresa ocidental demonizando Putin. 

[3] Agora, em plena guerra total que Washington faz contra o rublo russo, a China anunciou que está pronta para, se solicitada, ajudar seu parceiro russo. Dia 20/12/2014, em meio a uma queda histórica na cotação do rublo em relação ao dólar, o Ministro de Relações Exteriores, Wang Yi, disse que a China proverá ajuda à Rússia, se necessária, e tem confiança de que a Rússia conseguirá superar suas atuais dificuldades. Ao mesmo tempo, o Ministro do Comércio, Gao Hucheng, disse que expandir uma operação de swap de moedas entre as duas nações e fazer uso mais amplo do yuan no comércio bilateral são operações que, com certeza, darão grande alívio à Rússia. - Retirado do artigo: Mudança na política da China para o mundo. Disponível em Redecastorphoto

[4] Ibid.

[5] VISENTINI, Paulo Fagundes. A dimensão político-estratégica dos BRICS: entre a panaceia e o ceticismo. In: Mesa-Redonda: O Brasil, os BRICS e a agenda internacional / Apresentação do embaixador José Vicente de Sá Pimentel. – Brasília: FUNAG, 2012, p. 201.

[6] Da qual a Rússia é membro e a Índia é “membro observador”.

[7] Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana. Esse projeto recebe apoio de parte das sociedades dos estados envolvidos pelos benefícios comerciais e de lojística que poderia propiciar. Contudo, outra parcela critica veementemente essa integração porque em alguns caso, as rotas estabelecidas pelo IIRSA afetaria regiões de populações indígenas dentre outros povos e/ou populações historicamente habitantes dos locais de passagem do projeto. 

sábado, 27 de junho de 2015

O Brasil como protagonista mundial: Seus parceiros e suas perspectivas (1/3)

Marcos Belmonte
O Brasil passa por um momento histórico nunca visto antes, pois está se tornando um protagonista na política e economia mundial de maneira decisiva, envolvido com blocos e parceiros que estão propondo – ou revitalizando - um novo modelo de governança, ao mesmo tempo em que atua com os velhos blocos e potências que levaram o mundo para mais uma crise. Mas o Brasil tem e faz parte de um projeto que busca renovação. Mas dificuldades existem para a realização de intento. Como agir?
É sabido de todos que o acrônimo BRICS começou como um fórum econômico e que no novo século adquiriu importância política, passando a ser um bloco político econômico potente e institucionalizado com a homologação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e dos fundos de emergência, que demonstra bom potencial para “contrabalancear” as instituições do Atlântico Norte, como o FMI. Não há nenhuma atitude revolucionária – nos termos comumente conhecidos – mas sim, basicamente reformista, apesar de que, se fazermos uma comparação entre o domínio do Norte (colonizadores) sobre o Sul (colonizados) possa até ter uma pitada “revolucionária”, mas é muito mais aparência do que de fato uma realidade. Porém não podemos negar em nenhum momento sua importância no cenário econômico mundial, no presente e no futuro. Para o Brasil, o bloco tem significativa importância.

"O bloco BRICS é uma realidade. É um grupo de países que perseguem objetivos comuns. O Brasil certamente tem interesse em apoiar os BRICS e fazer avançar a cooperação com todos os seus membros, construir alicerces mais fortes com base nas semelhanças e convergências, estimular a troca de informações e desenvolver consultas e cooperação em áreas específicas (...) Os BRICS são muito importantes para a política externa e para a sociedade brasileira, para os formuladores, para os operadores e para os que pensam a política externa"[1].    
Atentemos aos números do comércio do Brasil com os BRICS, individual e coletivamente:
Os números demonstrados na tabela acima são contundentes[5] e mostram o sucesso das relações comerciais [6] brasileiras com os outros BRICS. Poucas vezes tivemos uma balança negativa nesses primeiros 15 anos de negociações no século XXI. Com a Rússia temos somente um momento de balança negativa; com a China tivemos três momentos; a Índia representa nossa maior balança negativa distribuída em 10 momentos; diferentemente acontece com a África do Sul, onde sempre tivemos balança positiva. Os volumes dessas negociações são também bastante relevantes. Óbvio que nosso relacionamento intra-BRICS teve grande poder devido à China, epicentro magnético do bloco e motor da economia mundial. Todavia nossas negociações comerciais precisariam ser diversificadas.

"(...) [há] crescente demanda chinesa e indiana por commodities agrícolas e minerais. Ao mesmo tempo em que é fundamental utilizar o acesso ao mercado brasileiro como moeda de troca nas negociações, a maior dependência da pauta exportadora primária pode aumentar a vulnerabilidade eterna estrutural da economia brasileira, especialmente em um provável momento de queda de preços agrícolas, sujeitos à volatilidade das bolsas financeiras mundiais. O que reduz esse risco é a permanência da demanda dos BRICS por alimentos, especialmente a da China, mas não se pode deixar de observar que esse é um atenuante completamente alheio ao controle da soberania brasileira" [7].  

Doravante, mesmo com esse “problema econômico estrutural” dentro do fluxo comercial intra-BRICS, os números são relevantes. Com a China tivemos um menor volume de exportação, de 1.085.301.597 [8] e a importação de 1.222.098.317 nos anos 2000, tendo um total corrente de 2.307.399.914. Já o maior volume de exportação foi um total de 46.026.153.046 e importações de 37.303.567.344, no ano de 2013, fazendo um total corrente de 83.329.720.390. Com a Rússia tivemos um menor volume de exportação, de 422.966.725, e a importação de 570.695179 nos anos de 2000, tendo um total corrente de 993.661.904. Já o maior volume de exportação foi de 4.652.978.889 e importações de 3.332.050.061, nos anos de 2008, fazendo um total corrente de 7.985.028.950. Com a África do Sul tivemos um menor volume de exportação de 302.226.889 nos anos 2000, e a importação foi de 181.667.025 em 2002, tendo um menor volume corrente de 529.989.458 em 2000. Já o maior volume de exportação foi de 1.836.354.221, em 2013, e importações de 911.920.031, em 2011.

No ano de 2012 temos o maior total corrente, de 2.614.045.186. Com a Índia tivemos um menor volume de exportação de 217.450.483 e a importação foi de 271.355.071, nos anos 2000, fazendo um menor total corrente de 488.805.554. Já o maior volume de exportação foi de 5.576.930.397 em 2012 e importações de 6.357.566.624 no ano de 2013. O maior total corrente foi de 11.424.577.573 em 2014.  Se observarmos os números com todo o bloco BRICS, tivemos um menor volume de exportação de 2.027.945.694 e a importação de 2.291.911.136 nos anos 2000. Já o maior volume de exportação foi de 53.966.725.105, em 2013, e a maior importação foi de 47.727.423.677, em 2014. O maior total corrente foi de 101.023.780.761 em 2013. Se atentarmos para a média de volume corrente dentro do século XXI, temos um total de 45.654.779.888 e uma soma total corrente de 684.821.698.293. Todavia, o bom nível dos totais correntes do Brasil com os BRICS é potencialmente devido à balança comercial sino-brasileira.

Gráfico (1[9]) com os volumes totais correntes comerciais anuais

Ainda sim, mesmo com esses números, rata-se de um grupo que precisa explorar melhor as possibilidades de investimentos diretos e relações comerciais com o Brasil. Por exemplo, o BRICS ainda tem números inferiores aos da UE, com a qual temos dentro do XXI uma média do total corrente de 62.609.098.593 e soma total corrente de 939.136.478.897; com o NAFTA temos uma média de 52.314.354.716 e total corrente de 784.715.320.737.  Da mesma maneira, o Brasil precisa intensificar suas relações comerciais com os MERCOSUL, que teve média total de 27.401.996.263 e um total corrente de 411.029.943.938. Algumas dificuldades de desenvolvimento de média e alta tecnologia, bem como potencial de manufatura podem estar travando essa integração comercial estratégica para o Brasil e o bloco do Mercado Comum do Sul. Contudo, os acordos bilaterais com os países dos BRICS e outros maiores desenvolvedores de alta tecnologia podem começar a dar ao Brasil esse potencial.

Gráfico (2) com os volumes totais correntes comerciais anuais

Como podemos notar no gráfico, o MERCOSUL é o parceiro com menor total corrente comercial desde 2000. Contudo, vemos que os BRICS foram o bloco no qual nossas negociações comerciais mais cresceram, inclusive nos imediatos anos depois da crise. Todos tiveram queda nos anos de 2008-2009, o start da pior crise econômica desde 1929. NAFTA e UE no início do século XXI eram os maiores parceiros, mas em 2014 os BRICS tomam a ponta nas negociações tendo o maior total corrente, com a UE como segundo maior parceiro comercial e o NAFTA – que teve maior queda no início da crise - em terceiro lugar, com o dobro do total corrente do MERCOSUL. 

Notas: 
[1] AMARAL, Sérgio. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. In: Mesa-Redonda: O Brasil, os BRICS e a agenda internacional / Apresentação do embaixador José Vicente de Sá Pimentel. – Brasília: FUNAG, 2012, p. 301.
[2] Cobertura refere-se à quantia total de exportações dividida pelas importações. Caso seja positivo (≥1), a balança também assim o é, e vice-versa.
[3] Dados da balança comercial brasileira com os países dos BRICS recolhidos no site do ministério do desenvolvimento. 
[4] A África do Sul entrou para os BRICS em 2010.
[5] Entendemos que são números significativos que demonstram evolução nas relações entre os BRICS (fluxo intra-BRICS) apesar de não serem todos os maiores parceiros brasileiros e com certos membros haver uma balança comercial realmente pequena ainda, como com a África do Sul.
[6] O grifo é para apontar que estamos tratando diretamente das relações comerciais e não falamos em outras formas de investimento financeiros, industriais etc. como os do IDE (investimento externo direto). 
[7] POCHMANN, Márcio. Relações comerciais e de investimentos do Brasil com os demais países dos BRICS. In: Mesa-Redonda: O Brasil, os BRICS e a agenda internacional / Apresentação do embaixador José Vicente de Sá Pimentel. – Brasília: FUNAG, 2012, p. 147.
[8] Todos os números indicando o valor das negociações são em dólares.

[9] Apesar de a África do Sul ter entrado de fato para o bloco em 2010, decidimos por apontar seus totais correntes anuais com o Brasil para termos ideia da trajetória comercial dentro do XXI. A título de fluxo intra-BRICS, devemos considerar só a partir de seu ingresso no grupo.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Operação Zelotes, prazer em conhecer

Você sabe o que é a Operação Zelotes?
Trata-se de uma investigação conduzida pela Polícia Federal, sobre fraudes em relação a Receita Federal entre 2005 e 2013. Foi descoberto durante a investigação que grandes empresas sonegavam impostos por meio de um esquema junto a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que recebiam suborno para aliviar ou suprimir sentenças que obrigariam tais empresas a pagarem os impostos. Várias empresas grandes estavam se beneficiando deste esquema: RBS, Gerdau, Votorantim, Ford, Mitsubishi, BRF (antiga Brasil Foods), Camargo Corrêa, e os bancos Santander, Bradesco, Safra, BankBoston, Pactual, Brascan e Opportunity. As informações são da Rede Brasil Atual
Nota-se o tamanho do prejuízo aos cofres públicos. Contudo, nada disso foi suficiente para que a ação ganhasse notoriedade na mídia. O juiz responsável pela operação, Ricardo Leite, da 10ª Vara de Brasília, negou a prisão preventiva e o bloqueio de bens dos investigados. O que chegou a cegar uma ação do Ministério Público, na Corregedoria do TRF. O volume de impostos sonegados por meio do esquema chega a incríveis R$ 375 bilhões, divididos em mais de 100 mil processos.

O interesse em que esta investigação não avance é bastante evidente. Que chances teríamos de ler em um grande jornal, como a Zero Hora (Grupo RBS), notícias sobre um caso de sonegação perpetrado por seus patrocinadores, ou ainda, sobre o próprio Grupo dono do jornal?

A Operação Zelotes carece de fornecer os mesmos benefícios políticos que a "Operação Lava Jato", logo, mesmo investigando um volume muito maior de recursos desviados, não é considerada digna de cobertura midiática. Por mais esforço que se dediquem através das redes sociais e veículos alternativos, ela continua sendo uma grande desconhecida da população.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

“Imbecilistas” ou o pacto antiintelectual no facebook

Ana Cristina A. de Sousa*
Umberto Eco não poderia ter sido mais genial quando afirmou que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, imbecis letrados... Imbecis letrados de todos os níveis incitam ódio e cultivam a ignorância dos leitores mais desavisados, pregando “verdades” sem qualquer fundamentação logicamente aceitável.

O imbecil não vê o outro, não o escuta, não tem interesse em aprender: ele só quer pregar falsas verdades que ele julga serem absolutas, em busca dos aplausos de outros bandos de imbecis. Autoritário, ele opina sobre tudo o que aparece e zomba de coisas sobre as quais não tem o menor conhecimento. Mais grave: zomba de quem empenhou seu tempo para construir conhecimento e que demonstra o quanto a complexidade das coisas não mora na superfície dos argumentos ocos e jogos ofensivos de palavra.
Dirck van Baburen, Prometeu acorrentado por Vulcano, com apoio de Mercúrio (1623).

O imbecil critica os “ólogos”, mas lhe falta a “logia”. Afinal, o imbecil não estuda; o imbecil não lê (com exceção de ‘memes’ de facebook); o imbecil não aprofunda. Ele vive na superficialidade dos valores fúteis vendidos para o consumo daqueles que não desenvolvem senso crítico efetivo sobre a realidade que lhes é apresentada. O imbecil zomba, desqualifica e ignora o conhecimento alheio, pois reconhecer que o outro tem algo a oferecer é reconhecer a sua própria superficialidade e ignorância sobre tudo o qual opina cheio de ventosa autoridade. É perder a Palavra... E sabemos o quanto o imbecil aprecia dominá-La em nome de algum ente estrategicamente especial (para ele): “Deus”, “Família”, “Povo”, “Propriedade”, “Lei”, “Ciência”, “Doutrina”, “Religião”, etc.

O imbecil não educa, professa... Dito isso, é possível entender também o motivo pelo qual o imbecil despreza tanto o meio científico e todos os títulos que dele advém, mesmo tendo ele passado pela universidade. Ele sabe, intimamente, que nunca conseguiria sequer obtê-los idoneamente, sem contar com a ajudinha e o empurrão de outros imbecis infiltrados. Afinal, se o imbecil letrado não é capaz de ler um livro, imagine se conseguiria escrever uma tese, que pressupõe anos de dedicação e aprofundamento em qualquer assunto que seja!

O imbecil não sabe a diferença de visitas ao campo daquilo que chamamos de trabalho de campo. Ele acha que, porque visitou uma instituição, entende toda a sua dinâmica e ridiculariza o discurso dos diversos profissionais que se dedicam a todo um trabalho de campo, com suas teorias e métodos. Gabando-se muito de sua esperteza, o imbecil letrado sequer sabe discernir fontes confiáveis, condensando informações obtidas aqui e ali, além de cometer erros estilísticos dos quais nem se dá conta, o que provoca o desgosto nos letrados um pouco mais exigentes.

O imbecil ignora o imenso gesto de coragem de Prometeu, deus grego que, ao roubar a chama do conhecimento dos Deuses para a Humanidade, pôs em risco a dominação dos mesmos sobre os mortais, sendo, por isso, severamente punido: a dor eterna de ter o seu fígado infinitamente consumido pela harpia. Submisso ao poder, que adora como se fosse deus, o imbecil milita sempre nos bastidores, onde sabidamente não haverá os custos de tomar uma posição aberta ou os riscos de uma punição. Para o imbecil, isso é ser inteligente!...

O imbecil omite-se diante das injustiças desferidas por outros imbecis contra as pessoas sensatas que se manifestam de peito aberto contra as imoralidades políticas e institucionais que os imbecis tanto reclamam, mas que não hesitam em se locupletar quando beneficiados. O imbecil é contraditório: fala, fala, fala, mas silencia se aquilo do qual reclama passa a beneficiá-lo. No fundo, a sua reclamação é inveja, dor de cotovelo, não é indignação sincera. O imbecil nunca perde a oportunidade de aparecer publicamente para estufar o peito e dizer o quanto é corajoso, desde que a coragem não ofereça riscos...

O imbecil considera inimigo quem pensa diferente dele. O único pecado desses inimigos reside em serem mais bem preparados e autênticos do que os imbecis na busca de seus ideais. No fundo, esse rancor é motivado pela inveja de um ideal pelo qual lutar. O “inimigo” do imbecil – “inimigo” feito pelo imbecil, sem conhecimento do “inimigo” – é a prova viva de que o imbecil não tem disposição sincera para lutar por um ideal. O “inimigo” evidencia que o imbecil fala, fala, fala, mas não se prepara para lutar. O “inimigo” é inimigo porque involuntariamente mostra a sua falácia.

Por muito tempo, os meus amigos mais próximos me alertaram que eu, apesar de notoriamente impaciente, era excessivamente tolerante na escuta das pessoas. Isso porque o importante para mim sempre foi a troca, o debate... Mas os imbecis revelaram os limites da minha tolerância. A pregação que castra a minha intelectualidade e a possibilidade da própria troca em si – valores tão valiosos para mim – não merece a minha tolerância, atenção ou debate. Onde não há troca, não é viável evoluir.

Quem autoritariamente se enche de razão (em nome do “Povo”, de “Deus”, da “Lei” ou da “Ciência”) não consegue se esvaziar para o debate e abrir-se para a possibilidade de outras perspectivas. Precisamos ser intelectuais empáticos que quebrem todo um repertório vulgarizado de inacessibilidade, aprendendo a escrever para o não especializado, provocando também educação sentimental. Atualmente, enfrentamos a despolitização privatista, o pragmatismo individual e a pressa irresponsável, ou seja, tudo que mais interessa ao neoliberalismo: cada um no seu cercado, cheio de razão, consumindo o planeta, ignorando-se marcialmente no mercado. Choque, não toque...

Mas não adianta sustentar o debate com quem não demonstra respeito pela escuta, com quem é incapaz de se esvaziar para se preencher outra vez de ideias, principalmente numa “arena vazia” como o Facebook, no qual a falta de “cara-cara real” entre pessoas sentimentalmente deseducadas apenas intensifica o lado mais cruel de personalidades autoritárias, apressadas, inseguras, desrespeitosas e covardes. Enfim, precisamos ser seletivos em relação a tudo o que emperra a nossa evolução intelectual, sentimental, ética e humanitária. Precisamos de uma educação sentimental para nossos filhos não se tornarem imbecis superficiais ou isolados internautas que banalizam o “mal”.

*Formada em História, mestre em Ciência Política e Doutora em Saúde Coletiva

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Monsanto e Luiz Carlos Heinze: uma parceria abençoada pela grande mídia do Brasil

Davenir Viganon
Um processo judicial coletivo contra a Monsanto foi aberto no Tribunal de Justiça de Los Angeles, no dia 20 de abril de 2015. A acusação é de propaganda enganosa promovida pela empresa, que esconde os efeitos danosos do Glifosato. A Monsanto propagandeia que o produto não afeta seres humanos, enquanto pesquisas comprovaram os efeitos danosos. As informações são da Revista Ecologia.

Nada disso foi noticiado nos grandes grupos de mídia estadunidenses. As principais agências de notícias também se negaram a repercutir o assunto. Esta cobertura da mídia é encontrada também no congresso. Segundo a reportagem “a proposta do deputado federal Mike Pompeo, do partido Republicano, é chamada de DARK Act (Deny Americans the Right to Know), HR 1599, que iria dar imunidade jurídica a Monsanto e impedir que os Estados exigissem a rotulação dos transgênicos”.

O que isso tem a ver com o Brasil? O Glifosato, é importado e usado as toneladas para o país sob o nome de “Roundup”. O resto da história não é muito diferente em terras tupiniquins. A mídia hegemônica não solta uma palavra sequer sobre as graves acusações e evidentes suspeitas sobre a Monsanto. O mais grave, no entanto, é como a intensa representação política dos ruralistas no Congresso Nacional não demonstra preocupação ao ocultar os perigos deste produto.

O projeto do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS) altera a redação do Artigo 40 da Lei nº 11.105/2005 e, na prática, revoga o Decreto 4.680/2003, que regulamenta os transgênicos no Brasil. Essa alteração desobrigaria o rotulamento de transgênicos com o triângulo amarelo e a letra “T”, passando apenas a uma frase grafada no produto. Para todos os efeitos é a mesma “DARK Act” dos EUA.

Efeitos do Glifosato (“Roundup”) nos seres humanos

A esperança dos advogados e ativistas anti Monsanto nos Estados Unidos é basicamente exercer pressão pela via judicial, procurando estabelecer precedentes legais e obter restrições à Monsanto a partir da justiça. A possibilidade da mesma contra o poderio da Monsanto é no mínimo, ingênua. Uma economia em crise como a estadunidense dificilmente abortaria, ou sequer restringiria, uma operação lucrativa como a venda do “Roundup”.

No caso Brasileiro, eleve-se exponencialmente tal ingenuidade. A poderosa bancada ruralista conquistou facilmente a Câmara de Deputados e o projeto tramita no Senado neste momento. Não se vislumbra uma derrota da Monsanto nem dos ruralistas brasileiros. Afinal o Glisofato dá lucro e como diria James Carville: “É a economia, estúpido!”.

Coletivo Intervozes aciona a Justiça contra a Revista Veja


No último dia 16, os ativistas da comunicação do Coletivo Intervozes acionaram a justiça em São Paulo contra a Revista Veja em virtude da sua última capa e respectiva reportagem. Segundo informações do portal do Intervozes, a Revista Veja violou ao menos dois pontos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente o segundo parágrafo do artigo 143 e o Artigo 247, que protegem crianças e adolescentes de terem imagens e/ou identificações exibidas ou passiveis de identificação.

O motivo principal da ação, para além dos pontos específicos da lei descritos integralmente na representação e de todo o “juridiquês”, é que o princípio de que ““ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” - Artigo 5 da constituição federal - é jogado no lixo, pelo julgamento prévio exercido pela Revista Veja em detrimento de uma propaganda política de apoio politico a Frente Parlamentar da Segurança Pública, um nome pomposo para a conhecida bancada da bala, grupo de deputados que se beneficiam do mercado de armas no Brasil.

A questão da maioridade penal não pode ser defendida pela Revista Veja, se for ampliada análise sob seus argumentos. Para isso, ela teria de relacionar os interesses políticos da Bancada da Bala com a Defesa da flexibilização do Estatuto do Desarmamento e a consequente reabertura do comércio legal de armas, que são fundamentais em economias como a estadunidense, bem como o incentivo aprivatização dos presídios, que custam muito mais caro ao Estado, e que por sua vez só viriam a se fortalecer com a proposta da redução da maioridade penal. Por isso ela reduz toda uma pauta política a singularidade mais trágica possível.

Estes picos de violações da lei como o objeto em tela – outro foi a capa oportunista às vésperas das eleições presidenciais em 2015 - denunciado pelo Intervozes são usuais por parte da revista dos Civita. Sabem bem seus editores que a justiça é demasiada lenta para julgar o caso até que o intendo maior da panfletagem jornalística seja retificada. Os senhores das armas ficam agradecidos.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

6 problemas do jornalismo brasileiro

Davenir Viganon
“No Capitalismo, o jornalismo é atravessado pela ideologia burguesa como uma fruta é passada por uma espada (...) de modo flagrante, evidente e doloroso. Nem por isso fruta será sinônimo de espada.” - Adelmo Genro Filho.
Historicamente, o jornalismo é uma forma de conhecimento que surgiu condicionado pelo capitalismo. Contudo está muito além de ser mero meio de manipulação, pois possui possibilidades emancipadoras desde que não seja confundido com o capitalismo. O controle político-econômico dos meios de comunicação pela classe dominante foi, e ainda é, bem sucedido no Brasil e o jornalismo muito suscetível a sua ideologia. Elencamos aqui seis barreiras que o jornalismo brasileiro enfrenta que o impedem de explorar tais possibilidades.

1 – A seriedade do “Padrão Globo de jornalismo”
A austeridade na divulgação de notícias, os semblantes sisudos e as vozes doutorais dos apresentadores dos telejornais são características bastante conhecidas do modo de fazer jornal no Brasil. Elas se consolidaram durante a ditadura, tendo na voz e postura dos âncoras e no texto jornalístico em geral, assemelhado às notas oficiais da versão dos militares. A seriedade durante aquele período buscava, em primeiro lugar, representar credibilidade de especialistas técnicos, “doutores”, vergados em ternos rijos e voz firme e aveludada. Contudo, durante a ditadura, a firmeza no semblante era principalmente um meio de transpor a autoridade dos militares para a bancada. Trata-se de um jornalismo feito para ser assimilado, e não questionado. Passadas mais de duas décadas do fim da ditadura, este modelo se mantém como o padrão. A fim de confirmar a tese, basta lembrar como os casos de descontração nos ambientes austeros das bancadas são tratados como notícia, visto que fogem à regra. 
 

2 – Personalismo
Em outro tipo de telejornal, busca-se opor a rigidez consolidada pela Rede Globo. Encabeçado por José Luiz Datena, seu jornalismo personalista dispensa a bancada e a rigidez e busca centralizar a autoridade e a credibilidade de toda a equipe de um programa em sua figura. Os espaços que algumas bancadas dedicam aos comentaristas acabaram por se tornar programas isolados. Com vida própria, os conceitos jornalísticos defendidos pela grande imprensa são contraditoriamente subvertidos nas ações e defendidos na fala, reforçada pela sua presença de palco, que é a grande atração do programa.

3 – Glamourização de certos profissionais
Presente nos programas de televisão em geral, desloca o jornalismo como forma de conhecimento para uma forma de entretenimento. Um exemplo é a relação conjugal dos âncoras do JN, William Bonner e Fátima Bernardes, ter ganhado sutilmente mais atenção que as notícias (vídeo abaixo), ou ainda, a relação bizarra entre o formalismo do mesmo Bonner com a descontração da nova “moça do tempo”, Maria Júlia Coutinho. Quando jornalistas ganham status de artistas, a notícia tende a se tornar um mero objeto de entretenimento.

4 – Mito da objetividade jornalística
Sob o mesmo objeto cabem vários olhares, seja ele jornalista, mendigo ou advogado. Contudo, o jornalismo no Brasil ainda reproduz a ideia de que apenas munido de uma técnica jornalística é possível apreender um acontecimento sem nenhuma mediação, ou ainda, que basta buscar o mais próximo de uma experiência imediata para fazer uma notícia. Porém independente da técnica adquirida, o imediato nunca é de fato sem mediações, pois sempre haverá mediação na apreensão da realidade. Mesmo a apreensão direta, através dos sentidos, implica as experiências, a ideologia, o mundo histórico e os conhecimentos anteriormente adquiridos. 

5 – Mito da imparcialidade/neutralidade jornalística
A qualidade mais proclamada que o jornalista deve possuir é de ser imparcial, ou mesmo quando se admite não ser possível sê-lo, deve chegar o mais próximo disso. Max Weber já dizia que o neutro é aquele que escolheu o lado mais forte. No jornalismo isso implica em reconhecer que todas as etapas da construção da notícia estão cercadas de escolhas e tomadas de posição, voluntárias ou não. Nosso mundo está impregnado de ideologia e o mito da neutralidade jornalística é uma das formas de reproduzir e aceitar a ideologia liberal conservadora na sociedade não apenas como a escolha correta entre outras possibilidades, mas como uma forma universal. Nesse sentido, ao entender a técnica jornalística como neutra desconsidera-se todo o processo histórico de criação do jornalismo como o conhecemos.

6 – Concentração privada de concessões públicas
A maior parte das notícias consumidas hoje ainda é veiculada pela TV aberta e pelo Rádio. Elas só podem ser operadas através de concessões públicas fornecidas a entes privados, que criaram verdadeiros latifúndios midiáticos. Essas empresas desde o início da regulamentação das concessões sempre contaram com uma legislação muito aberta à concentração da propriedade de mídia, que se encontra sob a forma de intrincadas modalidades de propriedade ilegais. Os resultados são poucas famílias exercendo o controle empresarial (e obviamente editorial) da grande maioria das emissoras de rádio e TV do País.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O mártir dos idiotas - COLUNA CAVANDO BURACOS

Daniel Baptista - COLUNA CAVANDO BURACOS
Primeiramente, não há nada mais a declarar sobre a conduta e a postura do cidadão Daniel Barbosa (mostrada no vídeo acima), o título acima já o define. Em segundo - e usando o surrado argumento de que somos uma nação multiétnica e com uma importante composição de imigrantes -, tais motivos são suficientes para cessar a discriminação com esses homens e mulheres que vem de tão longe para ganhar as suas vidas aqui. Ondas migratórias sempre existiram na humanidade. Foi assim que saímos da África, migrando. Foi assim que chegamos à América, e também a forma com a qual os hunos chegaram ao Império Romano. Foi assim também que os “bárbaros”, empurrados pelos hunos, chegaram e se miscigenaram com os romanos. Foi deslocando-se no espaço geográfico que espanhóis, portugueses, ingleses e franceses chegaram à América no século XVI para administrar a máquina colonial.

Italianos e alemães chegaram ao Novo Mundo no século XIX, fugindo da miséria e da fome, curiosamente o mesmo motivo da atual onda migratória haitiana e africana para o Brasil. E elas ainda ocorrem na Europa, como vemos diariamente nos jornais e portais de notícias. Navios cheios de afegãos, sírios e líbios fugindo de seus conflitos. Mesmo em crise, os EUA são o destino de milhares de latinos que se arriscam em cruzar a fronteira com o México, seduzidos pela luz de ouro de tolo do “american way of life”.

Há inúmeros fatores que motivam as ondas migratórias, como mudanças no meio ambiente, ameaças externas, perspectivas de enriquecimento em curto prazo, fome endêmica, guerras, miséria ou promessas de prosperidade. As razões sempre irão existir e continuarão a acontecer de tempos em tempos, seja qual for a sua necessidade. A necessidade é o motor da história.

E aos racistinhas enrustidos digo o seguinte: não me venham com bobagens do tipo “essa gente vai aumentar a criminalidade no país”, ou “esses vagabundos vieram aqui receber Bolsa Família” e etc. Não venham me dizer que o imigrante alemão e italiano era mais valoroso que esse imigrante haitiano, que era mais puro e mais honesto. Al Capone e a família Gambino que o digam desta suposta pureza e bom caráter europeu. Já procuraram conversar com esses homens e mulheres que estão pela cidade como ambulantes, no comércio e serviços ou então na rodoviária esperando os seus destinos? Façam isso e surpreendam-se antes de dizer asneiras.

Segunda-feira, dia 8 de junho, o programa CQC da TV Bandeirantes exibiu uma matéria em que a equipe de reportagem foi fazer um lero-lero com o mártir dos idiotas. Temos que ficar alertas com a relação passiva que temos com a TV. Apesar de deixar uma sensação de “viva! Chupa essa, otário!” a matéria exibida não resolve ou propõe nada para o crescente problema no País: o avanço das ideias extremistas de cunho fascista. A reportagem serviu apenas para dar a sensação de missão cumprida, de mais uma vez ter vingado o telespectador.

Infelizmente existem muitas pessoas como Daniel Barbosa, mas elas não têm a coragem que o nosso lunático anti-herói tem de falar e de se expor, sem medo das consequências. E esse é mais um perigo, o de um lunático desses servir de estímulo ou liderança para milhares de desinformados ou mal caráteres mesmo. Se isso ocorrer, essas pessoas serão tão idiotas quanto esse tal de Daniel Barbosa.

terça-feira, 9 de junho de 2015

O Jesus histórico e a obscuridade da luz

Dhiego Recoba
Sempre que escuto alguém começar uma conversa com "Jesus disse", deparo-me diante da mesma dúvida, terrível no entender dos inquisidores de ontem e de hoje. Jesus disse, ou alguém disse que Jesus disse? Ou ainda, para agravar o quadro de incerteza: o quanto daquilo que se ouviu dos testemunhos foi, de fato, dito por Jesus?
Willem Dafoe como Jesus, em A Última Tentação de Cristo (Filme de Martin Scorcese - 1988).
 
Sob o olhar daqueles que têm por hábito ler a Bíblia sem criticidade alguma, como se vivessem em um tempo anterior a Martinho Lutero (e vivem, de certo modo), tais indagações soam como vãs elucubrações, produzidas apenas para atazanar a santa paz do conhecimento pronto trazido por um intermediário qualquer – seja ele pastor, padre, entre outros – que julga ter o monopólio da interpretação acerca de Jesus. Mediação que, ironicamente, foi rechaçada pelo Nazareno ao longo de sua caminhada na Terra.
 
Em As Palavras Desconhecidas de Jesus, Joaquim Jeremias (um teólogo alemão nascido na cidade de Dresden, que viveu entre 1900 e 1969) aponta não mais que duas dezenas de citações como sendo realmente insuspeitas. Outro alemão, especialista no Novo Testamento, Ernst Käsemann, vai além, ao afirmar que “é deprimente verificar quão pouco do que é narrado sobre Jesus no Novo Testamento pode ser considerado autêntico. A figura histórica de Jesus só pode ser reconhecida em algumas palavras do Sermão da Montanha, nas discussões com os fariseus, em algumas parábolas e em algumas outras narrativas”¹.
 
É grande a escassez de fontes confiáveis a respeito do Jesus histórico, já que os primeiros textos sobre a sua vida surgiram após duas ou três gerações, por volta de 70 d.C. É o que afirma Holger Kersten , outro teólogo alemão, em sua obra Jesus Viveu na Índia – A desconhecida história do Cristo antes e depois da crucificação. Digna de compor quaisquer Index Prohibitorum, o autor afirma que o cristianismo de hoje pouco tem em comum com as ideias que Jesus ambicionava difundir, pois muitos dos princípios doutrinários constantes no testemunho de Paulo são antagônicos à mensagem do Cristo. Em outras palavras, como disse Emil Brunner: “A Igreja é um grande mal entendido. De um testemunho construiu-se uma doutrina; da livre comunhão, um corpo jurídico; da livre associação, uma máquina hierárquica”².
 
O Cristianismo, enquanto doutrina, obteve o consenso mínimo em torno dos evangelhos apenas por volta do século II, tamanha a divergência entre as comunidades e seitas referentes ao cristianismo primitivo, a ponto de terem em comum apenas o nome “cristão”, segundo o filósofo grego Celso, que viveu naquele período. No entanto, a unificação que abriu o caminho para a difusão da fé gerou consigo uma série de livros, denominados apócrifos, os quais modificam radicalmente algumas questões, como, entre outros exemplos, a condição da mulher na sociedade.
 
O cerne do ideário de Jesus consistiu na compaixão universal, a qual nenhum ser é indigno de recebê-la, seja qual for a sua natureza. Nesse sentido, podemos entender que a escolha arbitrária de um escopo doutrinário, que privilegiou os homens em detrimento das mulheres no ordenamento social, constituiu-se no anti-cristianismo porque insere uma vírgula após a célebre sentença Jesus é amor.
A atriz Viviany Beleboni, representando a Paixão de Cristo, durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo.
 
Inevitavelmente, tais questionamentos sobre o real legado de Jesus remetem-nos às reações explícitas de incompreensão sobre o fato ocorrido no último domingo, em São Paulo, durante a Parada GLBT, ilustrada na foto acima. Segundo o deputado federal Jean Wyllys, em seu inflamado artigo publicado no site Carta Capital, o choque causado pela encenação da Paixão de Cristo tem origem na figura transgênero, a qual ocupa o lugar do Nazareno.
 
No entanto, não seria surpreendente uma reação semelhante se, na mesma condição, estivesse uma heterossexual. Nos dias que correm, o desconforto ortodoxo demonstra surgir da troca de papeis previamente determinados pela tradição. No caso em tela, com um agravante: além de ser a figura feminina, é um falso feminino; ou seja, é o homem que ousou descer a uma condição que não é a sua por natureza.
 
Para as mentalidades obtusas, corroídas pelo apego a uma forma de conhecimento que não questiona a si mesmo, um travesti crucificado foi o maior dos acintes que a comunidade GLBT ousou empreender. O fato em si foi um prato cheio para os carolas oportunistas que, com mandatos eletivos nos punhos, manipulam multidões a partir de sentimentos nada cristãos, como o sectarismo e o ódio. Cínicos, assumem o risco de conduzir pessoas nem sempre tão maldosas quanto eles ao encontro dos fariseus, contra os quais Jesus se opôs até o fim de sua vida.
 
Caso a profecia dos fundamentalistas se concretizasse com o retorno de Jesus, este certamente ficaria ao lado dos oprimidos, pois escolheu acompanhá-los em vida, e não ao lado dos mercadores da fé, de acordo com a coerência de sua história.
 
Notas: 
[1] Käsemann, apud Kersten, Holger. Jesus Viveu na India. A desconhecida história do Cristo antes e depois da crucificação. São Paulo: ed. Best Seller, 1988, p. 33.
[2] BRUNNER, Emil, Apud Kersten, 1988, p. 12.