quarta-feira, 20 de maio de 2015

Por uma Escola Deformadora

Christian Silva de Castro
Temos o costume de pensar a escola enquanto um espaço de formação, de construção. Uma fábrica, de diferentes proporções, que tem como premissa fundamental fornecer peças que garantam o bom funcionamento da sociedade. Entretanto, chega a ser espantosa nossa reação ao ver como anda o funcionamento de nossa sociedade. A violência e o sexo banalizados, casos de corrupção estampados em todas as manchetes quase que diariamente tudo ao mesmo orquestrado por um coro de gritos clamando por uma reforma às avessas em oposição ao silêncio da maior parte da população.

Fica o questionamento, incessante como um martelo em uma bigorna, de que algo nas entranhas da “máquina social” não está funcionando direito. Ouso questionar também se não são às peças a razão desta pane no sistema ou ainda se às origens são mais profundas e chegando aos corredores, por vezes empoeirados, das fábricas doravante chamados de escolas. A primeira imagem que surge em nossos pensamentos quando invocamos uma fábrica em nossa mente é a de um conjunto de máquinas trabalhando em um ritmo cadenciado sob o olhar atento de um operador altamente especializado. Cada movimento, cada segundo é minimamente calculado visando aumentar a produtividade ao máximo, existe um controle rígido de qualidade que separa os objetos com defeitos dos demais, tudo é rigorosamente quantificado, padronizado. Por mais ingênua que seja esta comparação, ela não é nova. Nomes como Rubem Alves e mais recentemente Jaqueline Moll já utilizaram essa analogia entre o ambiente fabril e o universo escolar. Nos cabe na condição de educadores refletir sobre nossa parcela de responsabilidade na montagem das peças que movem a máquina social.

Também não é nova a preocupação com a produtividade escolar. Periodicamente educandos e educadores são submetidos à provas, avaliações, testes e comparações – por vezes incomparáveis – que demonstram o quanto nosso processo de produção está defasado. Manchetes apontam a educação como um elemento sucateado e constantemente desvalorizado, etc. apesar dos diversos investimentos (físicos, econômicos e intelectuais) o panorama permanece o mesmo. O foco permanece no resultado, nos números finais e no alívio de estarmos um passo a frente da Indonésia nos rankings internacionais de educação e dia a após dia desconsideramos o processo. Convido todos a refletir sobre quais elementos devem mudar nesse processo. Acredito que a chave para a produção de peças deve ter como premissa os defeitos. Ora, se estamos, enquanto escola, abastecendo a sociedade com peças que passaram no controle de qualidade, a solução não seria então produzirmos peças com defeito que de alguma forma mudem o funcionamento da máquina? Precisamos então refazer os moldes que dão origem a estas peças o que é perfeito pois afinal de contas, quem produz esse molde somos nós, os professores.

Para repensar o molde é necessário antes levar em consideração a função da instituição escolar. Acredito na educação enquanto caminho para formação integral dos indivíduos para que assim consigam desempenhar de forma plena suas funções na sociedade. Ou seja, se faz necessária, dentro dos muros escolares, ou, nos corredores da fábrica, que se transcenda os tradicionais conteúdos eruditos, e por vezes, fechados em si mesmos. É preciso incluir na receita dos novos moldes, elementos como a música, o teatro e doses generosas de criatividade em todas as etapas do processo educacional. Obviamente, para uma mudança nessas proporções outros elementos devem ser igualmente repensados.

Analogias a parte – Rubem Alves costumava dizer que elas eram a melhor forma de construir a aprendizagem -  boa parte das mudanças que o contexto escolar necessita independe de intervenções estruturais oriundos do governo, obviamente um governo que invista em educação – e que tenha esse investimento refletido em práticas pedagógicas efetivas – é essencial. Elementos como a flexibilização da grade de horários, arranjo das classes em sala de aula e a oferta das disciplinas – no que tange aos temas e na forma como esses serão abordados – dependem quase que exclusivamente do corpo docente e da gestão escolar.

Atrevo-me a questionar então por que boa parte destas mudanças não são implementadas? O que se vê é uma sociedade que reverbera dentro da escola quando é oposto que deveria acontecer. Em tempos de uma apatia crítica e um maniqueísmo político cego, discursos midiáticos que nos bombardeiam com informações quase sempre sem utilidade nenhuma a não ser nos deixar mais cegos, urge a necessidade de repensar a educação enquanto uma necessidade social primária. Vamos?

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