sexta-feira, 17 de julho de 2015

Guerra de informação sobre a crise na Grécia

Alexander Martins Vianna
O Fato e a História publica esta reflexão sobre três documentários com abordagem crítica ao neoliberalismo como paradigma de viabilidade financeira e aos seus parâmetros de avaliação da crise grega. São eles “Catastroika” de 2012, “Dividocracia/Debtocracy” de 2011 e  “Poder em Roda Livre” de 2015. Ao fim do texto, disponibilizamos os vídeos para apreciação do leitor. Boa leitura!
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Catastroika dá o tom geral pretendido por minha crítica: faz um relato devastador sobre o impacto da privatização massiva de bens públicos e sobre toda a ideologia neoliberal que está por trás disso. Catastroika denuncia exemplos na Rússia, Chile, Inglaterra, França, Estados Unidos e na Grécia, afetando setores como transportes, água e energia. Foi produzido através de contribuições do público, contando com o testemunho de Slavoj Žižek, Naomi Klein, Luis Sepúlveda, Ken Loach, Dean Baker e Aditya Chakrabortyy. 

De forma deliberada e com uma motivação ideológica clara, os governos desses países estrangulam ou estrangularam os serviços públicos fundamentais, elegendo os funcionários públicos como bodes expiatórios, para apresentarem, em seguida, a privatização como solução óbvia e inevitável. Sacrifica-se a qualidade, a segurança e a sustentabilidade, provocando, invariavelmente, uma deterioração generalizada da qualidade de vida dos cidadãos. As consequências mais devastadoras registram-se nos países obrigados, por credores e instituições internacionais (como a Troika), a proceder a privatizações massivas, como contrapartida dos planos de «resgate». 

Catastroika evidencia, por exemplo, que o endividamento consiste numa estratégia para suspender a democracia e implementar medidas que nunca nenhum regime democrático ousou sequer propor antes de serem testadas nas ditaduras do Chile e da Turquia. O objetivo é a transferência para as mãos de poucos da riqueza gerada pela maioria dos cidadãos. Nada disto seria possível, num país democrático, sem a implementação de medidas de austeridade, que deixam a economia refém dos mecanismos de especulação e chantagem — o que implica, como na Grécia, o total aniquilamento das estruturas de sustentabilidade, coesão social e níveis de vida condignos. 

O documentário “Poder em Roda Livre”, de jornalismo econômico de Árpád Bondy e Harald Schumann, com a História da Troika e das políticas de austeridade neoliberais, desde 2010 até 2015, em Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre. A versão aqui disponibilizada está com narração em inglês, mas com legenda em português de Victor Pinto.
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É fundamental desnaturalizarmos as categorias de percepção e avaliação neoliberais sobre este assunto; sobre o que é economicamente viável ou equilibrado financeiramente, como se sua visão de mundo não fosse relativizável ou “não-ideológica”. Isso é bem sintoma de arrogância civilizacional e miopia histórica: O paradigma que se torna hegemônico não se vê como localizável num conjunto, mas como todo o conjunto, como o “fato”, a “verdade”. Aos perdedores, as favas (i.e., a “ideologia”, a “irrelevância crítica”). Este tipo de atitude imbecilista anti-intelectual já foi abordado antes, não vou me repetir aqui. 

O fundamental é manter o horizonte aberto sobre o assunto, combater um tipo de visão rasa e presentista que não relativiza as suas categorias de percepção e avaliação de mundo, que não se enxerga como violenta e cruel, mas apenas como “a regra”. Ando de saco cheio dos técnicos econômicos imbecilistas que ficam dividindo o assunto entre “donos dos fatos” e “ideólogos desinformados”, como se os seus “fatos” fossem dados e não feitos e disputados em sentido por relações de poder; como se sentidos e valores não fossem “eventos” que criam percepções sobre o que é “fato” nesse tipo de assunto tão disputado, que coloca em choque, no interior do capitalismo, dois fundamentos centrais desde a segunda metade do século XIX: “o direito à propriedade”(via liberal) e o “direito à sobrevivência”(via socialdemocrata). 

Atualmente, o jogo financeiro especulativo mundial e seus acólitos se pensam como “fatos”, como a ordem natural das coisas, como deus fora da máquina. Estão convencidos disso. Por isso, não veem crueldade no que fazem ou propõem, simplesmente protegem o tipo de civilização que consideram a única possível, embora haja os cínicos entre eles que simplesmente gostam de parasitar o jogo da melhor forma possível. Contudo, todos vão colocar a dívida pública não na conta do jogo financeiro especulativo sustentado pelo Estado, mas nos “gastos sociais excessivos”. 

O Estado do capitalismo financeiro flexível usa os impostos para manter o jogo especulativo falsamente sustentável com taxas de juros favoráveis ao grande especulador. É este mesmo Estado que lança títulos de dívidas públicas com retornos bem atraentes (por vezes, 100%) para os investidores mais ricos, mas “sustenta” tal jogo com impostos, com títulos menores de renda fixa e com a poupança da maioria de seus cidadãos. Enfim, é este mesmo estado que faz licitações bem amigáveis, acessíveis apenas aos grandes empresários. 

Todo o sistema financeiro-especulativo assim naturalizado pelos economistas tecnicistas funciona em desfavor da maioria que não tem acesso às tais oportunidades de investimentos sustentados pelo Estado. É um jogo para poucos e, portanto, concentrador. Então, é como se a maioria, na Grécia, estivesse agora sendo punida em nome de uma receita de austeridade bem conhecida na América Latina desde a década de 1990, e que mantém o jogo especulativo e concentra renda em desfavor da maioria que não participa do jogo como lobo, mas apenas como ovelha tosquiada com acesso limitadíssimo ao pasto. 

Ora, se continua havendo alta concentração de renda no mundo em poucas corporações mundiais, se o pacote da privatização está sempre no horizonte, se a qualidade geral da vida não melhora com a “austeridade”, mas apenas a concentração de renda, alguém anda mentindo muito mal, ou supondo-nos idiotas.
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“Dividocracia/Debtocracy” (2011)


“Catastroika” (2012)


“Poder em Roda Livre” (2015)

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