Fábio Liberato
A violência é nossa vizinha, / Não é só por culpa sua, / Nem é só por culpa minha. - Sérgio Britto e Charles Gavin
Sou professor desde 2013, ou seja, a muito pouco tempo, No entanto, não só tenho acompanhado como percebido muitos casos de violência. Já passei por cinco escolas nesses últimos dois anos e foi vítima de um sem número de violências verbais e duas vezes fui atingido por objetos atirados por alunos, quer dizer, violência física. Apesar de não ter causado nenhum ferimento, é algo extremamente frustrante. O pior é que isso tem se tornado comum. Já passei por lugares onde a diretora da escola já foi agredida e pior, também já praticou atos de agressão contra alunos.
Desde então passei a monitorar com mais atenção os casos de violência que saíam em jornais impressos de Belo Horizonte e também em sites de notícias. Passei mais de um ano fazendo isso e foram dezessete casos envolvendo agressões de alunos contra professores, pais contra professores e até mesmo algumas de professores contra alunos. Alguns casos merecem maior destaque, como os seguintes:
- Professora de Governador Valadares é demitida por agredir estudante autista de 5 anos.
- Professora agredida por três alunos no Instituto de Educação de Minas Gerais, uma das mais tradicionais instituições de ensino do Estado.
Estes casos de violência são uma ínfima amostra do que os profissionais da educação estão expostos hoje no país. Além da agressão física é ainda mais comum a agressão verbal, que envolve na maioria das vezes palavrões ou mesmo situações de zombaria por causa dos baixos salários. A naturalização da violência está tão forte em nossa sociedade, que recentemente, decidi exibir o filme “O pianista” a um grupo de alunos do 9º ano, com idades entre 14 e 16 anos e para minha surpresa, muitos alunos riram de algumas das cenas de execução do filme e um aluno negro chegou a dizer que queria ser “igual aqueles caras” (os nazistas).
O desprestígio da carreira docente, causado pelos baixos salários é um dos motivos para o desrespeito à figura do professor. Este desprestígio vem desde o século XIX, quando a profissão se tornou majoritariamente feminina (CHAMON, 2005). Com raras exceções, a situação foi se deteriorando. Este processo se acelerou na década de 1960 por causa dos projetos do governo militar de expansão da educação sem o devido aumento dos investimentos (BITTAR & JÚNIOR, 2006).
No caso específico do professor de História, o problema se agrava devido a uma supervalorização do presente. Com isso, a disciplina se torna para muitos alunos, algo sem sentido, pois esses jovens se tornaram incapazes de perceber a influência do passado em suas vidas, e o pior: não conseguem perceber que são agentes históricos. Isso é causado pela indústria cultural, que tem o seu foco na valorização das conquistas materiais e competitividade, desprezando os valores éticos e humanistas. Nesta situação de eterno presenteísmo, a perda de referências leva a um processo de alienação (RODRIGUES, 2011).
Neste contexto de inversão de valores, pode se dizer que há o favorecimento ao aumento da violência já que o ambiente é de constante luta em ser sempre melhor que o seu semelhante, e quando isso não é conseguido vem a frustração. Em pesquisa sobre a violência no Distrito Federal, Pereira, Montenegro e Salviano citam declaração de integrante de ONG sobre as causas da violência na escola que reforça essa visão:
... a violência não é gerada pelas crianças ou adolescentes, eles só são reflexos de uma sociedade que se pauta na competitividade, onde cada um tem que superar o outro, ser melhor que o outro, e querem colocar a culpa nos adolescentes, devido serem o lado mais fraco de toda essa questão, temos que deixar de hipocrisia e ver que a raiz da violência não está em nossas crianças/adolescentes, e sim na forma de organização estrutural de nossa sociedade (2013, p. 44).
Neste contexto, muitas pessoas se tornam insensíveis, alienadas e em alguns casos, quando não conseguem obter esses bens, entram para a criminalidade, com o objetivo de conseguirem status e terem dinheiro o suficiente para serem consumidores.
A violência é uma constante em nossa sociedade. Como se não bastasse a violência a qual muitos alunos de periferia (mas não exclusivamente) estão expostos, seja em casa com agressões e abandono, seja na rua com brigas, atividades ilícitas ou mesmo assassinatos, além de serem diversos os programas que mostram tudo isso ao vivo. Recentemente a morte de um assaltante durante uma perseguição policial foi mostrada ao vivo no programa Cidade Alerta do dia 23 de junho por volta das 18h. Além disso, há filmes e jogos que podem ser baixados facilmente em smartphones cuja meta é matar.
A escola atualmente é violenta porque esta instituição é um reflexo da sociedade onde ela está inserida. Investimento em salários dos professores, infraestrutura das escolas e o desenvolvimento de projetos em parceria com as comunidades são sem dúvida importantes instrumentos para a melhoria desse ambiente. No entanto, uma solução mais consistente e duradoura só ocorrerá se houver uma desnaturalização das desigualdades hoje existentes.
Referências
BITTAR, Marisa e JÚNIOR, Amarildo Ferreira. A ditadura militar e a proletarização dos professores. In: Educação & Sociedade. Vol. 27, n. 97, p. 1159-1179. Campinas: UNICAMP, 2006.
CAETANO, Carolina. Professora é demitida por agredir autista de 5 anos. O Tempo, 12 jun. 2004. Cidades, p. 26.
CHAMON. Magda. Trajetória de feminização do magistério: ambigüidades e conflitos. Belo Horizonte: Autêntica/FCH-FUMEC, 2005.
MUZZI, Luiza. Professora alega que foi agredida por estudantes. O Tempo, 30 mai. 2014. Cidades, p. 29.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
PEREIRA, Marcelo Ricardo. Mal estar docente. In: Revista Presença Pedagógica. v. 20. n. 117. Mai/Jun. 2014. p. 62-68.
PEREIRA, Rosemary; MONTENEGRO, Maria Eleusa; SALVIANO, Ana Regina Melo. Diagnóstico sobre a sociedade e a violência na escola. In: Universitas Humanas, Brasília, v. 10, n. 1, p. 41-49, jan./jun. 2013.
RODRIGUES, André Wagner. História, Historiografia e Ensino de História em relação dialógica com a Teoria da Complexidade. São Paulo: Clube de Autores, 2011.
*texto enviado pelo leitor.
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