terça-feira, 14 de julho de 2015

A coragem para amar na diversidade

Alexander Martins Vianna
Depois de postar o filme “Holly Siz”, vi o seguinte comentário: “Os pais têm o direito de educar os filhos para a heterossexualidade. Os heterossexuais também são bons”. Como se trata de uma formulação que pode representar a visão ou incômodo de muitos, que lidam com as campanhas deste tipo como se fossem uma “ameaça anti-heterossexual”, sinto-me eticamente impelido a estender o meu comentário na forma de ensaio, expondo as seguintes premissas: a sexualidade está no mesmo nível da linguagem, ou seja, não nascemos com ela, mas a desenvolvemos na vida social; a orientação sexual não é algo que se “programa” com absoluta consciência nas filigranas da vida social, pois não somos androides; a orientação sexual não tem uma intercessão necessária com a figuração sociocultural dos papeis de gêneros; a condição biológica reprodutiva (macho e fêmea) não define gênero ou sexualidade; a condição biológica reprodutiva (macho e fêmea) não determina psicológica e culturalmente como deve ser a figuração social da “função pai” e da “função mãe”, ou a localização corporal das figurações socioculturais de “feminino” ou “masculino”.
 
O tipo de comentário citado acima traz um tipo de foco crítico para o filme “Holly Siz” que penso cometer equívocos de causa e efeito: Não se trata de falar de ter ou não “direito à heterossexualidade", mas do direito de ser diverso – portanto, ser heterossexual já está incluso na ideia. Contudo, lidamos com um ambiente hegemonicamente patriarcal heteronormativo, que se coloca como centro de medida das coisas: isso se traduz em gestos sutis (o olhar de censura na rua) ou mais ostensivos (deboche e assassinato). O tipo de campanha do filme “Holly Siz” é necessário para demonstrar que não há uma única forma de ser. O filme serve para expor que não é normal ou permitido escarnecer, odiar ou assassinar alguém por conta de sua orientação sexual ou de sua figuração social de gênero.
 
Quando se coloca a questão em termos de “direito à heterossexualidade” ou a qualquer outra sexualidade, caímos numa suposição de intolerância que não faz parte do tipo de campanha do filme “Holly Siz”. A questão é entender e estender o direito à diversidade num ambiente de igualdade de oportunidades – e a Escola pública de qualidade deveria ser um ambiente que favorecesse isso. Muitos jovens transexuais, por exemplo, abandonam a escola e se protegem em guetos porque reagem ao ambiente social hostil à sua diferença – e isso, infelizmente, já que começa na família. Todo esse processo social de violência tem óbvios efeitos na forma como pode vir a ser vivenciada e significada a sexualidade de um sujeito, com riscos evidentes de autossimplificação ou unidimensionalização do sujeito.
 
O efeito perverso disso tudo é que, para um sujeito se defender num ambiente hostil à sua diferença, esta acaba tomando um lugar extenso demais em sua existência. Outra consequência paradoxal e estruturalmente perversa disso é que muitos acabam na prostituição, ou seja, a sua orientação sexual e/ou figuração social de gênero passam a ser “bens de mercado”, o que também as unidimensionaliza, tornando-as apenas meios de sobrevivência disponíveis para o uso hipócrita do patriarcado. Devemos nos indagar sobre o quanto perdemos de possibilidades de sujeitos numa pessoa que é colocada em situação estrutural tão violenta de “escolha”. Toda esta dinâmica social violenta precisa ser problematizada; precisa ser enfrentada de fato e, para tanto, ninguém pode se insular em falsos problemas.
 
A orientação sexual é uma configuração sutil feita na vida social e, por ser sutil, não pode ser brutalizada pela imposição de um único paradigma. A mesma premissa vale para as figurações sociais de gênero. Uma criança pode ser várias possibilidades de sujeito. Não há "defeito" na orientação que tome. E tal “tomada” não é de exclusivo foro individual, mas uma filigranática construção social, tal como a linguagem. É o valor centrado na unidimensionalização patriarcal do sujeito (que se pretende hegemônico nos gestos sutis de violência e censura) que precisa ser desabituado em nosso cotidiano. Portanto, o filme faz uma campanha centrada no direito de ser, e não de ser de uma única forma, porque “ser” é verbo de ligação: conecta possibilidades de sujeitos a muitas possibilidades de predicativos.

Enfim, penso que no filme “Holly Siz” os atores estão no tom: os personagens principais (aliás, é bom observar que a mãe traz uma cruz ao pescoço) e os coadjuvantes dão exatamente a medida do tipo de violência sutil e/ou direta que ainda forma o ambiente de recepção da diversidade sexual na Escola e na Sociedade. Por fim, a música, que tudo ata, provoca uma audiovisão empática – perfeita para o propósito da campanha: A coragem para amar na diversidade.

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