quinta-feira, 16 de julho de 2015

Reflexões sobre a tirania: a crise do modelo liberal em Filhos da Esperança

Paulo Felipe Tavares - COLUNA CINEPRÁXIS
Filhos da Esperança (2006) é uma grata surpresa do cinema distópico. Como a maioria do gênero, é baseado em um romance, escrito por P.D James em 1992. Mas as semelhanças entre o filme dirigido por Alfonso Cuarón e os demais filmes distópicos param por aí. Nas palavras do próprio diretor: “Muitas histórias futuristas envolvem uma espécie de “Big Brother”. Mas eu acho que essa é uma visão de tirania do século XX. A tirania que nos atinge atualmente se utiliza de vários disfarces. A tirania do século XXI se chama democracia”.

Slavoj Zizek, em seu livro “Violência”, faz um perspicaz comentário sobre o filme de Cuarón:
“Filhos da esperança não é, obviamente, um filme sobre a infertilidade enquanto problema biológico. A infertilidade que aparece no filme de Cuarón é aquela que já foi diagnosticada há muito tempo por Friedrich Nietzsche, quando este considerou que a civilização ocidental caminha na direção do Último Homem, uma criatura apática sem grandes paixões nem grandes lealdades. Incapaz de sonhar, cansado da vida, não assume riscos, limitando-se a procurar conforto e segurança, e portador de uma expressão de tolerância mútua: um pouco de veneno de vez em quando provoca sonhos felizes. E muito veneno no fim, em vista de uma morte agradável. Têm os seus pequenos prazeres para o dia, e os seus pequenos prazeres para a noite, mas tomam cuidado com a saúde. “Descobrimos a felicidade”, dizem os Últimos Homens, e piscam os olhos”.
O protagonista – interpretado por Clive Owen - é um individuo que após a morte do filho, deixou a política de lado e se tornou um ser indiferente a tudo e todos, mas que reencontra o sentido na vida ao realizar uma descoberta incrível: há uma jovem grávida e aparentemente saudável, cuja existência simboliza aquilo que mais parece faltar ao protagonista e a humanidade: a esperança. Sua ex-esposa (Julianne Moore) é líder de um grupo denominado Peixes, cujo objetivo é derrubar o governo e usar a jovem grávida como símbolo da revolução, mas Theo parece discordar do uso político da jovem e percebe que a segurança da mesma corre perigo.

Enquanto histórias como Admirável Mundo Novo, 1984 e Fahrenheit 451, todas do século XX, retratam um futuro de regimes autoritários, que exercem controle em todos os seguimentos da sociedade, policiando inclusive o pensamento dos cidadãos, Children of Men retrata um futuro – 2027 - onde a Europa se tornou um imenso estado policial cujo maior objetivo é combater o terrorismo, seja ele externo (muçulmanos) ou interno, promovido por grupos insatisfeitos com o governo. O Reino Unido é o último bastião do Ocidente na guerra contra os muçulmanos. Sim, há uma guerra entre o Ocidente e o Oriente Islâmico e os imigrantes que tentam fugir da miséria provocada pela mesma são tratados como lixo, aprisionados em “cidades” fechadas, exclusivas para estrangeiros.  Mas o que realmente interessa na história é o fato de que a humanidade se tornou infértil. Não há mais bebês, não há mais crianças. Aos poucos, as mulheres foram deixando de engravidar até o ponto crítico em que a pessoa mais jovem do mundo é um garoto de 18 anos, que para tornar tudo ainda mais dramático, tem seu assassinato noticiado logo na primeira cena do filme. Em todos os canais de notícias pipocam manchetes sobre a tragédia, as pessoas choram nas filas do mercado, bombardeadas de forma incessante com notícias do Bebê Diego, como era chamado o jovem.
Se burocratas insensíveis de um Estado implacável e o controle sobre a informação eram o maior medo das sociedades liberais no século XX, influenciadas em larga escala pela batalha ideológica travada entre EUA e URSS, atualmente o medo é implantado através da demonização do outro, do diferente: do Oriente, lotado de regimes controlados por loucos fundamentalistas que financiam o terrorismo contra o Ocidente. Além disso, a nossa própria extinção também nos assusta, não só no sentido literal da palavra, mas também o que nos aflige é a morte existencial, a ponto de tragédias se tornarem espetáculos midiáticos por dias e dias, quem sabe, oferecendo um pouco de emoção às monótonas vidas dos trabalhadores urbanos que encontram na televisão e no consumo o remédio para seu vazio existencial. E é aí que reside o grande problema: nunca estamos satisfeitos.

Durante toda a sua história, a humanidade fez da tirania um hábito cuja vergonha sempre fora seletiva, um privilégio dos perdedores. Monarquias absolutistas, ditaduras, impérios e enfim, a democracia. Nossa maior tirana, nossa mulher amada, nossa maior fonte de descontentamento e, no entanto, é nela que depositamos nossa esperança. E é disso que se trata toda a filosofia por trás do filme: se projetamos em um futuro distópico tudo aquilo que nos aterroriza, que foge do nosso controle – e por isso livros e filmes futuristas são uma valiosa fonte de informação sobre o período histórico em que elas foram produzidas - a frase do famoso historiador Eric Hobsbawm nunca fez tanto sentido como agora: “A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história.”

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