quinta-feira, 30 de julho de 2015

Biblioteca O Fato e a História - Eric Hobsbawm

Eric Hobsbawm foi um historiador inglês responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais.

Ajude a incrementar a estante da biblioteca. Mande livros faltantes, versões de tamanho menor, do Hobsbawm ou de outros autores para ofatoeahistoria@gmail.com

Clique sobre o título para acessar a obra:

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Violência na escola: um problema de todos

Fábio Liberato
A violência é nossa vizinha, / Não é só por culpa sua, / Nem é só por culpa minha. Sérgio Britto e Charles Gavin

Sou professor desde 2013, ou seja, a muito pouco tempo, No entanto, não só tenho acompanhado como percebido muitos casos de violência. Já passei por cinco escolas nesses últimos dois anos e foi vítima de um sem número de violências verbais e duas vezes fui atingido por objetos atirados por alunos, quer dizer, violência física. Apesar de não ter causado nenhum ferimento, é algo extremamente frustrante. O pior é que isso tem se tornado comum. Já passei por lugares onde a diretora da escola já foi agredida e pior, também já praticou atos de agressão contra alunos.

Desde então passei a monitorar com mais atenção os casos de violência que saíam em jornais impressos de Belo Horizonte e também em sites de notícias. Passei mais de um ano fazendo isso e foram dezessete casos envolvendo agressões de alunos contra professores, pais contra professores e até mesmo algumas de professores contra alunos. Alguns casos merecem maior destaque, como os seguintes:

Estes casos de violência são uma ínfima amostra do que os profissionais da educação estão expostos hoje no país. Além da agressão física é ainda mais comum a agressão verbal, que envolve na maioria das vezes palavrões ou mesmo situações de zombaria por causa dos baixos salários. A naturalização da violência está tão forte em nossa sociedade, que recentemente, decidi exibir o filme “O pianista” a um grupo de alunos do 9º ano, com idades entre 14 e 16 anos e para minha surpresa, muitos alunos riram de algumas das cenas de execução do filme e um aluno negro chegou a dizer que queria ser “igual aqueles caras” (os nazistas).

O desprestígio da carreira docente, causado pelos baixos salários é um dos motivos para o desrespeito à figura do professor. Este desprestígio vem desde o século XIX, quando a profissão se tornou majoritariamente feminina (CHAMON, 2005). Com raras exceções, a situação foi se deteriorando. Este processo se acelerou na década de 1960 por causa dos projetos do governo militar de expansão da educação sem o devido aumento dos investimentos (BITTAR & JÚNIOR, 2006).

No caso específico do professor de História, o problema se agrava devido a uma supervalorização do presente. Com isso, a disciplina se torna para muitos alunos, algo sem sentido, pois esses jovens se tornaram incapazes de perceber a influência do passado em suas vidas, e o pior: não conseguem perceber que são agentes históricos. Isso é causado pela indústria cultural, que tem o seu foco na valorização das conquistas materiais e competitividade, desprezando os valores éticos e humanistas. Nesta situação de eterno presenteísmo, a perda de referências leva a um processo de alienação (RODRIGUES, 2011).

Neste contexto de inversão de valores, pode se dizer que há o favorecimento ao aumento da violência já que o ambiente é de constante luta em ser sempre melhor que o seu semelhante, e quando isso não é conseguido vem a frustração. Em pesquisa sobre a violência no Distrito Federal, Pereira, Montenegro e Salviano citam declaração de integrante de ONG sobre as causas da violência na escola que reforça essa visão:
... a violência não é gerada pelas crianças ou adolescentes, eles só são reflexos de uma sociedade que se pauta na competitividade, onde cada um tem que superar o outro, ser melhor que o outro, e querem colocar a culpa nos adolescentes, devido serem o lado mais fraco de toda essa questão, temos que deixar de hipocrisia e ver que a raiz da violência não está em nossas crianças/adolescentes, e sim na forma de organização estrutural de nossa sociedade (2013, p. 44).
Neste contexto, muitas pessoas se tornam insensíveis, alienadas e em alguns casos, quando não conseguem obter esses bens, entram para a criminalidade, com o objetivo de conseguirem status e terem dinheiro o suficiente para serem consumidores.

A violência é uma constante em nossa sociedade. Como se não bastasse a violência a qual muitos alunos de periferia (mas não exclusivamente) estão expostos, seja em casa com agressões e abandono, seja na rua com brigas, atividades ilícitas ou mesmo assassinatos, além de serem diversos os programas que mostram tudo isso ao vivo. Recentemente a morte de um assaltante durante uma perseguição policial foi mostrada ao vivo no programa Cidade Alerta do dia 23 de junho por volta das 18h. Além disso, há filmes e jogos que podem ser baixados facilmente em smartphones cuja meta é matar.

A escola atualmente é violenta porque esta instituição é um reflexo da sociedade onde ela está inserida. Investimento em salários dos professores, infraestrutura das escolas e o desenvolvimento de projetos em parceria com as comunidades são sem dúvida importantes instrumentos para a melhoria desse ambiente. No entanto, uma solução mais consistente e duradoura só ocorrerá se houver uma desnaturalização das desigualdades hoje existentes.

Referências
BITTAR, Marisa e JÚNIOR, Amarildo Ferreira. A ditadura militar e a proletarização dos professores. In: Educação & Sociedade. Vol. 27, n. 97, p. 1159-1179. Campinas: UNICAMP, 2006.
CAETANO, Carolina. Professora é demitida por agredir autista de 5 anos. O Tempo, 12 jun. 2004. Cidades, p. 26.
CHAMON. Magda. Trajetória de feminização do magistério: ambigüidades e conflitos. Belo Horizonte: Autêntica/FCH-FUMEC, 2005.
MUZZI, Luiza. Professora alega que foi agredida por estudantes. O Tempo, 30 mai. 2014. Cidades, p. 29.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
PEREIRA, Marcelo Ricardo. Mal estar docente. In: Revista Presença Pedagógica. v. 20. n. 117. Mai/Jun. 2014. p. 62-68.
PEREIRA, Rosemary; MONTENEGRO, Maria Eleusa; SALVIANO, Ana Regina Melo. Diagnóstico sobre a sociedade e a violência na escola. In: Universitas Humanas, Brasília, v. 10, n. 1, p. 41-49, jan./jun. 2013.
RODRIGUES, André Wagner. História, Historiografia e Ensino de História em relação dialógica com a Teoria da Complexidade. São Paulo: Clube de Autores, 2011.

*texto enviado pelo leitor.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Biblioteca O Fato e a História - Mircea Eliade

Mircea Eliade foi um historiador das religiões, filósofo e mitólogo nascido na Romênia (1907-86). Considerado um dos fundadores modernos da história das religiões, elaborou conceitos como de hierofania, a dialética do sagrado e do profano, o terror da história, a coincidentia oppositorum, o simbolismo do centro e simbólico casamento celeste.

Nesta estante da nossa biblioteca temos algumas das suas principais obras. Caso tenha alguma das obras faltantes, envie para nós (ofatoeahistoria@gmail.com).

Clique no título para a cessar a obra:

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Vídeo: 2ª entrevista do Projeto Cultura Religiosa

Veja a segunda entrevista do projeto de Cultura Religiosa da Escola Municipal Dolores Alcaraz Caldas de Porto Alegre/RS. O primeiro entrevistado foi com o Pai de Santo Antônio Olívio Rodrigues. Nesta segunda entrevista é a vez do pastor evangélico Jader Riegel Bitencourt, da Igreja Viva de Porto Alegre (RS), responder as perguntas elaboradas pelos alunos e alunas.

A proposta do projeto é conhecer as mais diversas formas de manifestação religiosa, sobretudo os grupos e comunidades existentes no bairro Restinga. O grupo que realiza o projeto compõe-se de alunos e alunas da escola coordenados pelo professor de filosofia Elenilton Neukamp. Toda a produção é coletiva. Esta entrevista está dividida em duas partes, acompanhe as duas aqui n'O Fato e a História.
Parte 1
Parte 2

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Guerra de informação sobre a crise na Grécia

Alexander Martins Vianna
O Fato e a História publica esta reflexão sobre três documentários com abordagem crítica ao neoliberalismo como paradigma de viabilidade financeira e aos seus parâmetros de avaliação da crise grega. São eles “Catastroika” de 2012, “Dividocracia/Debtocracy” de 2011 e  “Poder em Roda Livre” de 2015. Ao fim do texto, disponibilizamos os vídeos para apreciação do leitor. Boa leitura!
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Catastroika dá o tom geral pretendido por minha crítica: faz um relato devastador sobre o impacto da privatização massiva de bens públicos e sobre toda a ideologia neoliberal que está por trás disso. Catastroika denuncia exemplos na Rússia, Chile, Inglaterra, França, Estados Unidos e na Grécia, afetando setores como transportes, água e energia. Foi produzido através de contribuições do público, contando com o testemunho de Slavoj Žižek, Naomi Klein, Luis Sepúlveda, Ken Loach, Dean Baker e Aditya Chakrabortyy. 

De forma deliberada e com uma motivação ideológica clara, os governos desses países estrangulam ou estrangularam os serviços públicos fundamentais, elegendo os funcionários públicos como bodes expiatórios, para apresentarem, em seguida, a privatização como solução óbvia e inevitável. Sacrifica-se a qualidade, a segurança e a sustentabilidade, provocando, invariavelmente, uma deterioração generalizada da qualidade de vida dos cidadãos. As consequências mais devastadoras registram-se nos países obrigados, por credores e instituições internacionais (como a Troika), a proceder a privatizações massivas, como contrapartida dos planos de «resgate». 

Catastroika evidencia, por exemplo, que o endividamento consiste numa estratégia para suspender a democracia e implementar medidas que nunca nenhum regime democrático ousou sequer propor antes de serem testadas nas ditaduras do Chile e da Turquia. O objetivo é a transferência para as mãos de poucos da riqueza gerada pela maioria dos cidadãos. Nada disto seria possível, num país democrático, sem a implementação de medidas de austeridade, que deixam a economia refém dos mecanismos de especulação e chantagem — o que implica, como na Grécia, o total aniquilamento das estruturas de sustentabilidade, coesão social e níveis de vida condignos. 

O documentário “Poder em Roda Livre”, de jornalismo econômico de Árpád Bondy e Harald Schumann, com a História da Troika e das políticas de austeridade neoliberais, desde 2010 até 2015, em Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre. A versão aqui disponibilizada está com narração em inglês, mas com legenda em português de Victor Pinto.
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É fundamental desnaturalizarmos as categorias de percepção e avaliação neoliberais sobre este assunto; sobre o que é economicamente viável ou equilibrado financeiramente, como se sua visão de mundo não fosse relativizável ou “não-ideológica”. Isso é bem sintoma de arrogância civilizacional e miopia histórica: O paradigma que se torna hegemônico não se vê como localizável num conjunto, mas como todo o conjunto, como o “fato”, a “verdade”. Aos perdedores, as favas (i.e., a “ideologia”, a “irrelevância crítica”). Este tipo de atitude imbecilista anti-intelectual já foi abordado antes, não vou me repetir aqui. 

O fundamental é manter o horizonte aberto sobre o assunto, combater um tipo de visão rasa e presentista que não relativiza as suas categorias de percepção e avaliação de mundo, que não se enxerga como violenta e cruel, mas apenas como “a regra”. Ando de saco cheio dos técnicos econômicos imbecilistas que ficam dividindo o assunto entre “donos dos fatos” e “ideólogos desinformados”, como se os seus “fatos” fossem dados e não feitos e disputados em sentido por relações de poder; como se sentidos e valores não fossem “eventos” que criam percepções sobre o que é “fato” nesse tipo de assunto tão disputado, que coloca em choque, no interior do capitalismo, dois fundamentos centrais desde a segunda metade do século XIX: “o direito à propriedade”(via liberal) e o “direito à sobrevivência”(via socialdemocrata). 

Atualmente, o jogo financeiro especulativo mundial e seus acólitos se pensam como “fatos”, como a ordem natural das coisas, como deus fora da máquina. Estão convencidos disso. Por isso, não veem crueldade no que fazem ou propõem, simplesmente protegem o tipo de civilização que consideram a única possível, embora haja os cínicos entre eles que simplesmente gostam de parasitar o jogo da melhor forma possível. Contudo, todos vão colocar a dívida pública não na conta do jogo financeiro especulativo sustentado pelo Estado, mas nos “gastos sociais excessivos”. 

O Estado do capitalismo financeiro flexível usa os impostos para manter o jogo especulativo falsamente sustentável com taxas de juros favoráveis ao grande especulador. É este mesmo Estado que lança títulos de dívidas públicas com retornos bem atraentes (por vezes, 100%) para os investidores mais ricos, mas “sustenta” tal jogo com impostos, com títulos menores de renda fixa e com a poupança da maioria de seus cidadãos. Enfim, é este mesmo estado que faz licitações bem amigáveis, acessíveis apenas aos grandes empresários. 

Todo o sistema financeiro-especulativo assim naturalizado pelos economistas tecnicistas funciona em desfavor da maioria que não tem acesso às tais oportunidades de investimentos sustentados pelo Estado. É um jogo para poucos e, portanto, concentrador. Então, é como se a maioria, na Grécia, estivesse agora sendo punida em nome de uma receita de austeridade bem conhecida na América Latina desde a década de 1990, e que mantém o jogo especulativo e concentra renda em desfavor da maioria que não participa do jogo como lobo, mas apenas como ovelha tosquiada com acesso limitadíssimo ao pasto. 

Ora, se continua havendo alta concentração de renda no mundo em poucas corporações mundiais, se o pacote da privatização está sempre no horizonte, se a qualidade geral da vida não melhora com a “austeridade”, mas apenas a concentração de renda, alguém anda mentindo muito mal, ou supondo-nos idiotas.
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“Dividocracia/Debtocracy” (2011)


“Catastroika” (2012)


“Poder em Roda Livre” (2015)

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Reflexões sobre a tirania: a crise do modelo liberal em Filhos da Esperança

Paulo Felipe Tavares - COLUNA CINEPRÁXIS
Filhos da Esperança (2006) é uma grata surpresa do cinema distópico. Como a maioria do gênero, é baseado em um romance, escrito por P.D James em 1992. Mas as semelhanças entre o filme dirigido por Alfonso Cuarón e os demais filmes distópicos param por aí. Nas palavras do próprio diretor: “Muitas histórias futuristas envolvem uma espécie de “Big Brother”. Mas eu acho que essa é uma visão de tirania do século XX. A tirania que nos atinge atualmente se utiliza de vários disfarces. A tirania do século XXI se chama democracia”.

Slavoj Zizek, em seu livro “Violência”, faz um perspicaz comentário sobre o filme de Cuarón:
“Filhos da esperança não é, obviamente, um filme sobre a infertilidade enquanto problema biológico. A infertilidade que aparece no filme de Cuarón é aquela que já foi diagnosticada há muito tempo por Friedrich Nietzsche, quando este considerou que a civilização ocidental caminha na direção do Último Homem, uma criatura apática sem grandes paixões nem grandes lealdades. Incapaz de sonhar, cansado da vida, não assume riscos, limitando-se a procurar conforto e segurança, e portador de uma expressão de tolerância mútua: um pouco de veneno de vez em quando provoca sonhos felizes. E muito veneno no fim, em vista de uma morte agradável. Têm os seus pequenos prazeres para o dia, e os seus pequenos prazeres para a noite, mas tomam cuidado com a saúde. “Descobrimos a felicidade”, dizem os Últimos Homens, e piscam os olhos”.
O protagonista – interpretado por Clive Owen - é um individuo que após a morte do filho, deixou a política de lado e se tornou um ser indiferente a tudo e todos, mas que reencontra o sentido na vida ao realizar uma descoberta incrível: há uma jovem grávida e aparentemente saudável, cuja existência simboliza aquilo que mais parece faltar ao protagonista e a humanidade: a esperança. Sua ex-esposa (Julianne Moore) é líder de um grupo denominado Peixes, cujo objetivo é derrubar o governo e usar a jovem grávida como símbolo da revolução, mas Theo parece discordar do uso político da jovem e percebe que a segurança da mesma corre perigo.

Enquanto histórias como Admirável Mundo Novo, 1984 e Fahrenheit 451, todas do século XX, retratam um futuro de regimes autoritários, que exercem controle em todos os seguimentos da sociedade, policiando inclusive o pensamento dos cidadãos, Children of Men retrata um futuro – 2027 - onde a Europa se tornou um imenso estado policial cujo maior objetivo é combater o terrorismo, seja ele externo (muçulmanos) ou interno, promovido por grupos insatisfeitos com o governo. O Reino Unido é o último bastião do Ocidente na guerra contra os muçulmanos. Sim, há uma guerra entre o Ocidente e o Oriente Islâmico e os imigrantes que tentam fugir da miséria provocada pela mesma são tratados como lixo, aprisionados em “cidades” fechadas, exclusivas para estrangeiros.  Mas o que realmente interessa na história é o fato de que a humanidade se tornou infértil. Não há mais bebês, não há mais crianças. Aos poucos, as mulheres foram deixando de engravidar até o ponto crítico em que a pessoa mais jovem do mundo é um garoto de 18 anos, que para tornar tudo ainda mais dramático, tem seu assassinato noticiado logo na primeira cena do filme. Em todos os canais de notícias pipocam manchetes sobre a tragédia, as pessoas choram nas filas do mercado, bombardeadas de forma incessante com notícias do Bebê Diego, como era chamado o jovem.
Se burocratas insensíveis de um Estado implacável e o controle sobre a informação eram o maior medo das sociedades liberais no século XX, influenciadas em larga escala pela batalha ideológica travada entre EUA e URSS, atualmente o medo é implantado através da demonização do outro, do diferente: do Oriente, lotado de regimes controlados por loucos fundamentalistas que financiam o terrorismo contra o Ocidente. Além disso, a nossa própria extinção também nos assusta, não só no sentido literal da palavra, mas também o que nos aflige é a morte existencial, a ponto de tragédias se tornarem espetáculos midiáticos por dias e dias, quem sabe, oferecendo um pouco de emoção às monótonas vidas dos trabalhadores urbanos que encontram na televisão e no consumo o remédio para seu vazio existencial. E é aí que reside o grande problema: nunca estamos satisfeitos.

Durante toda a sua história, a humanidade fez da tirania um hábito cuja vergonha sempre fora seletiva, um privilégio dos perdedores. Monarquias absolutistas, ditaduras, impérios e enfim, a democracia. Nossa maior tirana, nossa mulher amada, nossa maior fonte de descontentamento e, no entanto, é nela que depositamos nossa esperança. E é disso que se trata toda a filosofia por trás do filme: se projetamos em um futuro distópico tudo aquilo que nos aterroriza, que foge do nosso controle – e por isso livros e filmes futuristas são uma valiosa fonte de informação sobre o período histórico em que elas foram produzidas - a frase do famoso historiador Eric Hobsbawm nunca fez tanto sentido como agora: “A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história.”

terça-feira, 14 de julho de 2015

A coragem para amar na diversidade

Alexander Martins Vianna
Depois de postar o filme “Holly Siz”, vi o seguinte comentário: “Os pais têm o direito de educar os filhos para a heterossexualidade. Os heterossexuais também são bons”. Como se trata de uma formulação que pode representar a visão ou incômodo de muitos, que lidam com as campanhas deste tipo como se fossem uma “ameaça anti-heterossexual”, sinto-me eticamente impelido a estender o meu comentário na forma de ensaio, expondo as seguintes premissas: a sexualidade está no mesmo nível da linguagem, ou seja, não nascemos com ela, mas a desenvolvemos na vida social; a orientação sexual não é algo que se “programa” com absoluta consciência nas filigranas da vida social, pois não somos androides; a orientação sexual não tem uma intercessão necessária com a figuração sociocultural dos papeis de gêneros; a condição biológica reprodutiva (macho e fêmea) não define gênero ou sexualidade; a condição biológica reprodutiva (macho e fêmea) não determina psicológica e culturalmente como deve ser a figuração social da “função pai” e da “função mãe”, ou a localização corporal das figurações socioculturais de “feminino” ou “masculino”.
 
O tipo de comentário citado acima traz um tipo de foco crítico para o filme “Holly Siz” que penso cometer equívocos de causa e efeito: Não se trata de falar de ter ou não “direito à heterossexualidade", mas do direito de ser diverso – portanto, ser heterossexual já está incluso na ideia. Contudo, lidamos com um ambiente hegemonicamente patriarcal heteronormativo, que se coloca como centro de medida das coisas: isso se traduz em gestos sutis (o olhar de censura na rua) ou mais ostensivos (deboche e assassinato). O tipo de campanha do filme “Holly Siz” é necessário para demonstrar que não há uma única forma de ser. O filme serve para expor que não é normal ou permitido escarnecer, odiar ou assassinar alguém por conta de sua orientação sexual ou de sua figuração social de gênero.
 
Quando se coloca a questão em termos de “direito à heterossexualidade” ou a qualquer outra sexualidade, caímos numa suposição de intolerância que não faz parte do tipo de campanha do filme “Holly Siz”. A questão é entender e estender o direito à diversidade num ambiente de igualdade de oportunidades – e a Escola pública de qualidade deveria ser um ambiente que favorecesse isso. Muitos jovens transexuais, por exemplo, abandonam a escola e se protegem em guetos porque reagem ao ambiente social hostil à sua diferença – e isso, infelizmente, já que começa na família. Todo esse processo social de violência tem óbvios efeitos na forma como pode vir a ser vivenciada e significada a sexualidade de um sujeito, com riscos evidentes de autossimplificação ou unidimensionalização do sujeito.
 
O efeito perverso disso tudo é que, para um sujeito se defender num ambiente hostil à sua diferença, esta acaba tomando um lugar extenso demais em sua existência. Outra consequência paradoxal e estruturalmente perversa disso é que muitos acabam na prostituição, ou seja, a sua orientação sexual e/ou figuração social de gênero passam a ser “bens de mercado”, o que também as unidimensionaliza, tornando-as apenas meios de sobrevivência disponíveis para o uso hipócrita do patriarcado. Devemos nos indagar sobre o quanto perdemos de possibilidades de sujeitos numa pessoa que é colocada em situação estrutural tão violenta de “escolha”. Toda esta dinâmica social violenta precisa ser problematizada; precisa ser enfrentada de fato e, para tanto, ninguém pode se insular em falsos problemas.
 
A orientação sexual é uma configuração sutil feita na vida social e, por ser sutil, não pode ser brutalizada pela imposição de um único paradigma. A mesma premissa vale para as figurações sociais de gênero. Uma criança pode ser várias possibilidades de sujeito. Não há "defeito" na orientação que tome. E tal “tomada” não é de exclusivo foro individual, mas uma filigranática construção social, tal como a linguagem. É o valor centrado na unidimensionalização patriarcal do sujeito (que se pretende hegemônico nos gestos sutis de violência e censura) que precisa ser desabituado em nosso cotidiano. Portanto, o filme faz uma campanha centrada no direito de ser, e não de ser de uma única forma, porque “ser” é verbo de ligação: conecta possibilidades de sujeitos a muitas possibilidades de predicativos.

Enfim, penso que no filme “Holly Siz” os atores estão no tom: os personagens principais (aliás, é bom observar que a mãe traz uma cruz ao pescoço) e os coadjuvantes dão exatamente a medida do tipo de violência sutil e/ou direta que ainda forma o ambiente de recepção da diversidade sexual na Escola e na Sociedade. Por fim, a música, que tudo ata, provoca uma audiovisão empática – perfeita para o propósito da campanha: A coragem para amar na diversidade.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Brasil como protagonista mundial: Seus parceiros e suas perspectivas (3/3)

Marcos Belmonte

Os blocos regionais podem gerar ótimos dividendos para os envolvidos, como também ser onerosos e por vezes perniciosos se não fore, tratados com o devido estudo e cuidado estratégico. Há muitos exemplos: A infraestrutura da União Europeia é invejável, mas o euro – apesar de ainda estar com a cotação maior que o dólar – tende ao declínio pela desigualdade dentro das próprias economias do bloco; o fluxo de exportação e importação deu um salto qualitativo na constituição da Área de Livre Comércio da América do Norte, mas essa integração fez das economias dos parceiros dos EUA quase parasitária do centro crítico além dos problemas de excessiva cedência de poder decisório dentro de seus territórios em virtude da segurança central. Agora: os países que orbitam a China, dentro da OCX e Ásia num geral, estão a mercê de destinos semelhantes? E com o MERCOSUL? E a ALADI? Afinal de contas, se o bloco se estrutura tendo como centro gravitacional o Brasil, há esse risco? Há benefícios? 
São números que realmente precisam melhorar, pois a média corrente é de 3.875.828.537 e o total corrente comercial com toda a América Sulista é de somente 682.145.822.565. Só nosso total corrente com os Estados Unidos, mesmo antes de acabar o ano de 2014 já havia ultrapassado esse montante em cerca de vinte bilhões. São doze países é só possuímos esse total. A Argentina é disparada o parceiro com maior fluxo comercial e a grande responsável para essa média não ser ainda mais diminuta. Nossos piores fluxos comerciais são de fato com as Guianas – especialmente a Francesa – Suriname e com o Equador; os maiores são com a Argentina, Chile e Venezuela[1].

Mas esses números não seriam o suficiente para desenvolvermos novos parceiros com maior potencial de fluxo e que consumissem nosso atual maior potencial comercial: o mercado de commodities, ou seja, as grandes potências industriais? O MERCOSUL não é um mercado sem grandes perspectivas e está recebendo mais atenção do que devido? Talvez deveríamos fazer outra pergunta: Se o MERCOSUL é um mercado tão sem perspectivas, porque a superpotência estaria tão interessado nele? Pode não parecer imediatamente óbvio, mas o Brasil deve investir, e muito, no Mercado Comum do Sul, pois, os olhos do mundo se voltam para sua potencialidade, não só de consumo e fornecimento de setor primário poderoso, pois, países como o Brasil possuem potencial hídrico possante e agora a provável maior reserva de petróleo do mundo, o pré-sal, assim como Venezuela com seu petróleo, a Argentina com forte mercado primário e ponto estratégico para o polo sul (...). Ou seja, é preciso visão dos governantes para desenvolver o MERCOSUL e a América Latina de um modo geral. Mercado Comum do Sul – e a AL de forma geral - precisa ser reforçado, mas é preciso também que seus membros – e o próprio bloco – estruturem condições com outros blocos e países com intuito simbiótico, onde, precisamos desenvolver tecnologia e nosso setor secundário -, assim como a China de Deng com os EUA, pois, não podemos ser só consumidores de economia primarizada -, e essa troca pode ser feita em condições a nos favorecer – visando desenvolvimento infraestrutural -, pois, também, temos poder de barganha – mercado e commodities -. Pensem no potencial de investimentos brasileiros como Pasadena e o Porto De Mariel, agora que a China – nossa parceira – vai abrir o canal na Nicarágua, com bem mais potencial que o do Panamá, e com uma concessão de um século! Os RICS estão desenvolvendo parcerias com a América Latina; o Japão também está; a parceria com a União Europeia se desenvolve e etc. Essa intencionalidade objetiva desenvolvimento da região[2] e isso é preocupante para a superpotência.   
"A cooperação com a UE e a Ásia, por seu turno, tem sido duramente atacada pelos Estados Unidos. Tal situação pode ser inferida do discurso do presidente Clinton ao Senado, no início de 1997, quando foi pedir a aprovação do Fast Track: “Precisamos agir, expandir as exportações para a América Latina e a Ásia, as duas regiões que crescem rapidamente, ou ficaremos para trás à medida que essas economias fortalecem seus laços com outros países”. Ou seja, integração com os EUA significa tornar-se importadores de produtos norte-americanos. Em depoimento a uma subcomissão do Senado, a Secretária de Comércio Charlene Barchefsky declarou que “o interesse que desperta o Mercosul, não só na América do Sul e no Caribe, mas também na Europa, no Japão e na China, é (por nós) percebido como uma ameaça aos interesses comerciais e à própria liderança dos Estados Unidos no hemisfério”[3].

De fato esse desenvolvimento estrutural está acontecendo de maneira lenta, isso porque todos os países foram afetados pela grande crise de 2008-2009. Os investimentos externos foram rigorosamente diminuídos devido aos efeitos perniciosos dessa recessão. Mas esse processo parece recuperar fôlego, e vemos isso mais nitidamente após a VI Cúpula dos BRICS em Fortaleza-Brasília, onde, propostas para novos rumos da economia mundial foram aventadas e projetos foram estruturados. Os BRICS também fizeram um tour pela América Latina assinando acordos bilaterais com o bloco – e individualmente -, além de outros países da OCDE. A recuperação é lenta, mas contínua. Apresenta avanços e recuos – no âmbito comercial, superávit e déficit -, mas, como notaremos no gráfico, recuos bem menos agudos, como quando no start da crise.   
Os números mostram que a preocupação dos Estados Unidos com relação aos destinos comerciais do Mercado Comum do Sul demonstram-se realidades 17 anos depois das declarações no governo Clinton. Sobre o gráfico, decidimos não colocar nos números os negócios comerciais do MERCOSUL com os blocos e regiões apontados no mesmo, já que o PIB brasileiro é responsável por mais de 60% do PIB da América do Sul e é, portanto – nesse aspecto -, a liderança que praticamente puxa o leme dos destinos do subcontinente. A Ásia, como nosso maior parceiro comercial, tem uma média anual dentro do século XXI de fluxo nas balanças comerciais de 72.671.342.755 e um total corrente de 1.090.070.141.326; com a UE, como já vimos, a média é de 62.609.098.593 e com total de 939.136.478.897; Com a América Latina temos média de 53.847.315.611 e total de 807.709.734.167; EUA aparecem com média de 42.091.585.338 e total de 631.373.780.074; África tem média de 16.827.309.289 e total de 252.409.639.342; por último tem o Oriente Médio, com uma média de 10.678.714.861 e um total de 160.180.722.912. O continente africano tem baixo fluxo comercial com o mercado brasileiro, assim como a América Latina[4], mas são consideradas áreas absolutamente estratégicas – AL sendo vizinhos de fronteira e África como a outra margem do atlântico sul “pré-sal e etc” -, pois, se agora há baixo fluxo comercial, é justamente nessas regiões que nosso comércio tem plena potencialidade de crescimento, tendo a África, especial potencial para consumir nossos produtos do mercado secundário. Outros índices podem demonstrar os fluxos comerciais brasileiros – déficit e superávit - com os parceiros no gráfico acima
Percebemos que nossas relações com os blocos e regiões de caráter profundamente estratégico – e mais perto de nossas fronteiras – necessitam de maior atenção e estruturação de relações – como as comerciais – mais intensas, para que, num médio prazo, a integração e cooperação sejam profícuas para ambos os envolvidos visando a formação de uma aliança forte contra as dificuldades provocadas pelos sucessivos momentos de crise internacional. Vizinhos que se apoiam uns nos outros – não de forma parasitária, mas simbiótica – sempre buscam caminhos para o mantimento da paz em suas fronteiras e é essa uma grande parte do plano. Projetos de benefícios comuns precisam ser constituídos – não nos moldes da Rota da Seda do XXI – dentro de nossas atuais realidades – limitadas momentaneamente -, para tornar mais concreta a intencionalidade de cooperação e integração regional. MERCOSUL, ALADI, UNASUL e IBAS são blocos regionais que necessitam de mais ação para fortalecê-los, como a ligação energética estruturada entre os membros da Organização de Cooperação de Xangai. Hugo Cháves propôs a construção de uma pipeline que transpassaria o Brasil – fornecendo gás natural venezuelano – que visava os demais membros do subcontinente, mas entraves surgiram e, ao que parece, o projeto está engavetado momentaneamente, mas que pode ter possibilidades de desarquivamento. Ações com esse caráter estratégico precisam surgir nos próximos anos pelas suas próprias potencialidades de integração, claro, após serem devidamente acordadas buscando benefício mútuo e fortalecimento da região. 

Grandes desafios estão no horizonte agravados por mais uma crise da atual gestão do capitalismo e, por vezes, essas alianças estratégicas parecerão onerosas e perniciosas para as economias em maior desenvolvimento, como o caso do Brasil na região, mas perguntas devem ser feitas antes de darmos ouvidos para o contra-ataque desmedido que nunca faz pensar, mas vociferar com base insinuações histéricas, como as grandes mídias brasileiras contra o Mercado Comum do Sul e o tal “bolivarianismo”. Uma boa pergunta seria: Para quem interessa que o Brasil rompa com o MERCOSUL, ALADI, UNASUL, IBAS e atribuir menor importância para os BRICS? Pelo que entendo, essas ações podem ser de interesse de muitos envolvidos, menos do Brasil. Basta pensar.

Notas: 
[1] A entrada da Venezuela no Mercado Comum do Sul vem sendo tratada há algum tempo. Desde  sua adesão foi assinada em 2006 e em vigor desde agosto de 2012. O Paraguai era o grande obstáculo a entrada do país no bloco. Contudo, com o “golpe soft” aplicado contra o governo eleito de Lugo, o país ficara com restrições dentro do bloco e perdera a força que vetava a entrada definitiva da Venezuela. Decidimos deixá-la no gráfico junto aos outros membros do MERCOSUL para termos ideia do fluxo comercial entra o país e o Brasil. O documento de adesão pode ser encontrado em http://mdic.gov.brsitio/interna/interna.php?area=5&menu=4124

[2] “Como não poderia deixar de ser, os resultados bastante positivos no campo econômico no Mercosul, e a colaboração com os outros núcleos de integração, num quadro de crescente competição econômico-tecnológica no Norte, tem levado a crescentes divergências com os EUA. mas não se trata apenas de constante ampliação das relações comerciais intra-Mercosul, mas também de outros elementos, como uma integração pela base. Além disso, parece ficar cada vez mais claro que o Mercosul tem como objetivo implícito a manutenção de uma base industrial dentro de seu território, criando condições para que as empresas transnacionais permaneçam aqui”.-  VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. O Brasil, o MERCOSUL e a integração da América do Sul. P. 97. In: [org] WIESEBRON, Marianne; GRIFFITHS, Richard T. Processo de integração regional e cooperação intercontinental desde 1989. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. 

[3] Ibid.

[4] Ainda sim, a América Latina registra fluxo corrente comercial com o Brasil 21,9%- média e total corrente - a mais que o fluxo norte-americano no mesmo período.

[5] Cobertura refere-se à quantia total de exportações dividida pelas importações. Caso seja positivo (≥1), a balança também assim o é, e vice-versa. 

[6] Dados da balança comercial brasileira com os países, continentes e blocos recolhidos no site do ministério do desenvolvimento. www.desenvolvimento.org.br