quinta-feira, 19 de março de 2015

A ressaca de segunda-feira

Daniel Baptista - COLUNA CAVANDO BURACOS
Antes fosse uma ressaca de uma noitada sabem!? Aquela ressaca que te faz pensar nas bobagens, nas piadas e nas palavras proferidas na noite anterior, aquela moleza no corpo que se sente e te transforma em um morto-vivo onde até a luz do sol se transforma em inimiga... Mas não, esta ressaca de segunda-feira está longe de ter sintomas etílicos de uma festa ou de um churrasco em família, é uma ressaca existencial do cenário político brasileiro, uma sensação de incerteza, de estranhamento, onde nada dos ocorridos nas ruas é concreto e ao mesmo tempo tudo são possibilidades reais de acontecimento.

Antes de dar mais uma opinião, entre milhares já emitidas, sobre os protestos que aconteceram no País neste último domingo dia 15 de março (e tentar fugir de lugares comuns como foi a mesma data em que generais tempos atrás empossaram-se presidentes do País, dignas de ser matéria do “Alienígenas do passado”) é preciso e necessário fazer uma reflexão sobre a política do Brasil onde o PT é o expoente principal. Existe uma crise na cúpula governamental sim, criada, inventada pela mídia, prevista, que iria explodir a qualquer hora, não cabe a meu ver encontrar arquitetos, apontar dedos ou achar culpados aqui nesta hora. O fato principal é que ela, a crise, existe e é preciso contorná-la, dentro dos meandros democráticos de respeitabilidade, sem armas, sem milicos, sem golpes.

Para os que foram nos protestos e que exigiam o impeachment de Dilma um recado – se não acreditam é por terem má fé mesmo – não vai rolar. Não existe nada que impeça o exercício da presidenta nos próximos anos, se bem que vale lembrar o que já foi escrito anteriormente, neste cenário nebuloso tudo é possível. Aos que pediram intervenção militar à la 1964, digo-lhes que, tal possibilidade é mais improvável ainda a mais nula e a mais inexistente de todas. Zero. Desistam. Respeitem a nossa balzaquiana democracia, por favor, ela é muito preciosa. Até a Rede Globo em seus editoriais condenou tais manifestações pró-ditadura. Que ironia, logo a Globo cuspindo no prato em que comeram. Com esses lobos se fazendo que cães dóceis e domesticáveis é bom ficar com os dois pés atrás. Aos que mandaram a presidenta Dilma tomar em seu orifício anal, não cabe nem responder (outrora já o fiz, mas o tempo nos torna maduro).

A ressaca que usei como alegoria é a política. São 12 anos de governo PT com os dois primeiros mandatos de Lula onde o Brasil sim, deu um salto como nunca antes na história desse país como o próprio dizia, em conquistas sociais, reduziu-se o número de pobres, de certa forma democratizou o acesso as universidades e faculdades, colocou o Brasil como protagonista no cenário mundial e em uma posição de liderança consolidada na América Latina, a um preço bem alto. O preço, a saber, foi a aliança com as velhas lideranças da política brasileira, o famoso Mensalão “o maior escândalo da política brasileira de todos os tempos”. A herança que Dilma recebeu de Lula no seu primeiro mandato seria - para os mais otimistas da cúpula Petista - o suficiente para a presidenta garantir o segundo mandato (o que não foi tão fácil, pois a sua vitória apertada no segundo turno denota este cenário). Nos quatro primeiros anos de seu mandato veio a estagnação econômica, as polêmicas obras da copa acordadas em 2007, os protestos contra o governo em 2013, a eleição da bancada mais conservadora do congresso desde 1964 e um isolamento político cada vez mais acentuado que culminou na segunda, dia 16 de março como é notório no discurso de Dilma.

Percebe-se uma Dilma acuada, quase sem forças e sem apoio. Uma mulher sendo massacrada impiedosamente 24 horas por dia por milhões de pessoas, que tocam os problemas de corrupção do País apenas na conta dela. Por vezes, tenho pena de Dilma Roussef. Uma mulher que tem a história que ela tem estar sendo tão maltratada por boa parte dos brasileiros e por decisões equivocadas de sua base governamental. Não se governa sozinho aqui no Brasil, é demais, é irresponsabilidade e é de uma miopia política responsabilizá-la por todas as falcatruas que ocorrem no Brasil.

a esquerda que ainda se articula, infelizmente não consegue encontrar elementos que dialogue com o brasileiro médio

Como disse o professor Leandro Karnal, em um videozinho, um recorte, de um programa de televisão que circula pela web, onde ele fala sobre a corrupção, ele lembra que Pero Vaz de Caminha encerra sua carta do descobrimento pedindo um emprego para um parente seu ao rei, relembra também o Barão de Itararé que define corrupção como “é a negociata, o bom negócio para o qual não me convidaram” e sentencia afirmando que “eu sou absolutamente ético e probo quando se trata de atacar o negócio que não me favorece e quando me favorece, é um jeito é uma maneira, é o meu jeitinho clássico.” Isso vai desde cruzar o sinal vermelho no trânsito até não devolver o troco dado a mais no caixa ou aquele gato para pegar a TV a cabo. A corrupção que envolve o nome da Petrobrás e que é destaque nos jornais impressos e televisivos não é exclusiva deste governo (relembrando que os indiciados na operação lava a jato são em sua maioria deputados do PP, mas esta análise não cabe aqui) ela é estrutural, é orgânica e está presente até na Finlândia. Se existe corruptos existe corruptores, em nosso cenário vemos apenas políticos condenados timidamente pelos nossos tribunais em processos e julgamentos que levam anos, décadas. Quando não são arquivados em sua maioria. E dos setores corruptores, temos meia dúzia de doleiros, de marqueteiros, de gerentes operacionais, nunca os nomes que comandam as grandes empreiteiras e os bancos. Como diz Zizek “eles nos fazem acreditar em tudo, menos que é possível mudar o sistema”, e este continua intacto. 

Quanto à governabilidade do PT no âmbito federal, em todos esses anos, observa-se um paralelo muito parecido com a administração municipal aqui de Gravataí, onde o PT governou de 1997 a 2004 com Bordignon, Stasinski de 2005 a 2008 e com Rita Sanco de 2009 a 2011. Todos do PT sendo que a última foi cassada em outubro de 2011 – um “golpe branco” – assumindo em seu lugar Acimar Silva do PMDB. Coincidências a parte o que tem em comum entre a administração municipal e a federal é que o PT, aqui em Gravataí isolou-se progressivamente em sua administração municipal, baseando-se e justificando-se sempre em conquistas de suas próprias administrações anteriores. O mesmo ocorre como o governo Petista em Brasília, parece-me que é uma tendência do PT em isolar-se no poder, sem o apoio das bandeiras que outrora eles ergueram juntos e realizando alianças que terão um pesado ônus futuramente, sustentando-se em discursos e realizações de suas próprias gestões anteriores e que demonstram-se incapazes de se renovar ou indicar outro caminho. Assim está o PT atualmente, um partido que rompeu com o seu passado, amarrando movimentos sociais, buscou aliados que outrora eram opositores e não soube se renovar no campo da governabilidade, ou então, realizando soluções de médio e curto prazo na complexa máquina política de Brasília, onde os interesses é que são as prioridades.

O que ocorreu (embora seja muito cedo para se concluir algo) no domingo dia 15 de março foi uma manifestação de um setor da sociedade, em sua esmagadora maioria anti-PT não necessariamente pró-PSDB ou, outra sigla partidária que se demonstra insatisfeita com a atual administração do planalto. As pautas que foram levantadas é o objeto que devemos nos ater e verificar a suas viabilidades. Reafirmo novamente que não há espaço para intervenção militar. Não há até então espaço para um processo de impeachment (o que seria lamentável caso ocorra). Punição severa para políticos corruptos? Também quero, mas isso cabe ao judiciário, se as leis os beneficiam, torna-se necessário uma reforma nas leis penais (que convenhamos, é um horizonte distante). Reforma política? Urge ser de extrema necessidade, mas com essa bancada, creio que também seja um delírio. Privatizar a Petrobrás? Nunca! Never! É o discurso enraizado em nosso imaginário de que o que é privado funciona, e a administração pública é um fracasso, esquecendo que os maiores corruptores de nosso País advém da iniciativa privada e sua fome por lucro a todo o custo.

É notório também que a população que esteve nas ruas possui um discurso, consciente ou não, do que querem e desejam, bem oposta as manifestações que ocorreram em 2013 quando tínhamos múltiplas bandeiras e reivindicações. Aliás, os protestos de 2013 ensinaram muito bem para a direita como se faz manifestação. Onde está à esquerda neste momento no Brasil? Como em outros tempos e como em um filme repetido centena de vezes, fragmentada, rachada, em desacordo e por aí vai... Tão isoladas quanto o PT. Embora a passeata ocorrida na sexta-feira dia 13 de março, encabeçadas pelo MTST, pela CUT, marcaram sua presença em prol da democracia, porém, existe ainda uma resistência muito grande por boa parte da população quanto as pautas da esquerda.

Não dá para desconsiderar – embora particularmente discorde, portanto resguardo-me do direito de não participar – o caráter das manifestações que tomaram corpo nas ruas das cidades brasileiras neste domingo. Mas também não dá para jogar confete e serpentina quando se atesta dentro destas manifestações um discurso raivoso, sectário, autoritário e que possuí nas entrelinhas um tom golpista, não pelas vozes das ruas, mas sim por interessados no circo pegando fogo. Não sei dizer e nem tenho essa pretensão e capacidade de dizer que esse movimento é um divisor de águas, apenas o tempo definirá isso. Torço para que essa polarização política que se instaurou em nossa sociedade – capazes de provocar brigas familiares e na seleção de quem devemos ter como amigos – se apazigue, que ocorra uma aproximação com diálogo e propostas, respeitando os resultados de pleitos democráticos. Como dizia um professor brincalhão “explicar a história do Brasil é fácil: é golpe atrás de golpe!” Espero que esse período de plena democracia, o maior que tivemos até então em nossa república, supere essa máxima.    

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