quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O movimentar no “tabuleiro internacional” por trás do fim do embargo cubano: uma realidade latino-americana

Gabriel Graziottin
Novos ventos soprados - Em uma era marcada pela desinformação em contraste aos avanços tecnológicos, muitas informações se perdem no ar frente a nossa falta de percepção da realidade, enquanto que os ventos soprados por Cronos passam perante nós, sem muitas vezes nos darmos conta. Desse modo, cabe utilizarmos como antídoto a essa perda de percepção histórica a constante correlação das informações que nos são despejadas cotidianamente e observarmos quais são as mudanças que vem ocorrendo no mundo, especificamente, no “tabuleiro internacional”, para assim, podermos tirar as nossas conclusões e construirmos um conhecimento, em detrimento de desconectadas informações.

Esses ventos soprados chegam até a nossa realidade, como latino-americanos, em um contexto que forja o fim de longos anos de embargo cubano perpetuados pelos Estados Unidos. O Fim do Embargo não é somente o “Fim do Embargo”, mas é a evidência do movimentar das peças no tabuleiro internacional, marcado por novas formulações estratégicas pelos centros de poder internacional, pela ascensão chinesa e sua posterior e efetiva presença no Caribe e América Latina.

Deixando a euforia da Revolução Cubana de lado e a longa resistência da ilha frente às ações imperialistas de Washington, devemos nos atentar o contexto que vem desenhando o fim do embargo e o jogo internacional subjacente à reaproximação estadunidense-cubana.

“O carro latino-americano e o motor chinês”: um novo ciclo - Crescimento chinês nos últimos anos; crescimento econômico dos países do Sul-Global (incluindo latino-americanos); diminuição da influência de Washington na América do Sul e parcialmente na América Central (região que também será chamada aqui de Caribe); Crise econômica nos países do norte (diga-se EUA e Europa), fim do embargo cubano, reaproximação de Washington e Havana, etc. O que todas essas informações nos têm a dizer? Se as compararmos devidamente, perceberemos reflexos de um período pós-Doutrina Monroe[1] e o aterrissar de um “dragão” nas portas do Tio Sam.

Giovanni Arrighi (2008) já assinalara que o centro do sistema capitalista global deixara de ser ocidental, transferindo-se para o leste-asiático em contraste com a desaceleração do Ocidente, vindo a reboque desse fenômeno a recente crise financeira de 2008, debilitando tanto os Estados Unidos quanto a Europa. Desse modo, esse novo centro capitalista, representado no dinamismo chinês impulsionou diferentes economias nacionais até então em situação mais vulnerável no sistema internacional, sejam asiáticas, africanas ou sul-americanas. Com isso, diferentes países latino-americanos se favoreceram com o “motor chinês” estabelecendo laços econômicos com Pequim, nos últimos anos.

A lógica do sistema capitalista é simples: a incessante reprodução do capital e de seu sistema produtivo. Assim, a China passou a explorar nos últimos anos o riquíssimo mercado de commodities, recursos energéticos e alimentares que a América Latina tem a oferecer, somando-se aos mercados nacionais crescentes, ávidos pelo made in China. Sim, a América Latina parece mais uma vez seguir a sua tradição primário-exportadora, entretanto, suas economias se favoreceram e muitos países cresceram através desses laços com Pequim.

O crescimento econômico dos países desenvolvidos, tradicionalmente os mercados de destino das exportações chinesas, desacelerou nos últimos anos. Com a crise financeira global de 2008, as economias europeias e norte-americanas passaram, inclusive, a se contrair. A fim de continuar a exportar os volumes necessários para manter seu crescimento econômico, o governo chinês se viu obrigado a diversificar seus mercados. E a AL se mostra um mercado muito atraente para a China. (CINTRA, 2013, p. 36) .

Isto é, como os Estados Unidos e a Europa não podem mais “acompanhar” o ciclo chinês de desenvolvimento como parceiros comerciais estratégicos, desse modo, o dragão crescentemente volta os seus olhos para outras regiões, especificamente a América Latina, formulando novas parcerias comerciais e desenvolvendo diversos projetos bilaterais. A tabela e o gráfico a baixo falam por si só da “carona” dos países latino-americanos no crescimento chinês. [2]

O dragão às portas do Tio Sam - Mas de que maneira podemos compreender o fim do embargo econômico a Cuba e o que está por trás dele com essa presença do gigante asiático na América Latina?

De acordo com Fiori (2015), a consequente “chegada” econômica da China ao continente sul-americano, e ao Caribe e América Central, sobretudo depois do anúncio da construção do novo Canal Interoceânico da Nicarágua, financiado e construído pelos chineses, vem gerando uma reação por parte dos Estados Unidos, preocupados com a chegada desse dragão em sua locus estratégico. O Caribe e a América Central sempre foram espaço de atuação e influência direta norte-americana, e agora, os seus interesses são ameaçados e entrelaçados com a presença chinesa na região.

Cuba é um dos principais destinos da China, realizando nos últimos anos reformas econômicas de flexibilizações de mercado e comercializando (a despeito do embargo) com os chineses.[3] Desse modo, a estratégia estadunidense é clara: contrabalancear e conter a ascensão do poder chinês em suas ações na América Latina como um movimento de poder hegemônico em seu hemisfério. Somando-se a mudança de estratégia frente a Havana, houve a maior exigência dos países da CELAC[4] pelo fim do embargo histórico a Cuba, tornando-se difícil uma falta de resposta a essa crescente pressão de seus vizinhos.

Assim, o Caribe a América do Sul revalorizam-se geopoliticamente como tabuleiros relevantes da competição global entre os Estados Unidos e a China. A aproximação estadunidense-cubana é um dos resultados dessa percepção por parte de Washington da ameaça aos seus interesses regionais pela chegada do dragão asiático às suas portas.[5] E também, pelo relativo abandono de sua participação nos assuntos latino-americanos, voltando-se então para o Oriente Médio e a Ásia.

As recentes negociações do fim do embargo e a reaproximação ente os Estados Unidos e Cuba é uma vitória para ambos os lados que desejam estreitar os seus laços comerciais e uma nova oportunidade para Washington reafirmar os seus interesses em seu espaço estratégico frente à presença de um insaciável gigante asiático. Terá tamanho fôlego para repeli-lo?  

Referências

ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2008.

Cintra, Maria Rita Vital Paganini. ;  Medeiros, Carlos Aguiar de, orient. A presença da China na América Latina no século XXI : suas estratégias e o impacto dessa relação para países e setores específicos / Maria Rita Vital Paganini Cintra. . Rio de Janeiro : UFRJ, 2013.

FIORI, José Luís. Geografia e Estratégia. In: Carta Maior, 25 dez. 2014.

FONTDEGLÒRIA, Xavier. China reforça sua presença econômica nos países da América Latina. In: El País, 7  jan. 2015.

VADELL, Javier. A China na América do Sul e as implicações geopolíticas do Consenso do Pacífico. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2011, vol.19, suppl.1, pp. 57-79. ISSN 0104-4478.

Notas
[1] Doutrina elaborada pelo presidente James Monroe em 1825, pregando a não intervenção estrangeira nas Américas sob o lema de América para os americanos. Voltava-se contra o colonialismo europeu, abrindo espaço para a posterior expansão estratégica dos Estados Unidos no Hemisfério Ocidental.
[2] “Comércio bilateral entre China e os países da CELAC”. Fonte: Nações Unidas. El País.
[3] Não só os chineses, mesmo sob o embargo oficial à ilha, comercializam com Cuba. Países europeus, sul-americanos e africanos claramente desrespeitavam o embargo, em acordos de cooperação econômica e infraestrutual.
[4] Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.
[5] Ou como consideram muitos norte-americanos, em seu “quintal”

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