segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Entrevista sobre História com o Profº Ricardo Fitz

O Fato e a História reproduz uma entrevista realizada com o professor Ricardo Arthur Fitz, professor do Colégio Militar de Porto Alegre e também da FAPA por quase 40 anos. Nesta entrevista realizada por e-mail o professor Fitz (como é carinhosamente conhecido entre seus alunos) nos responde sobre assuntos relacionados a sua profissão, sobre a perda de interesse do público pelas licenciaturas e claro, os rumos para onde a História está sendo levada.

O Fato e a História: Professor Fitz, como a História entrou na sua vida? e o interesse pela docência?
Ricardo Fitz - Eu entrei na História de um forma curiosa. Primeiro: História
não era minha matéria preferida no colégio (leia-se Ensino Médio). Eu gostava mais de Física. Porém, ainda menino, ganhei um livro chamado "Grandes Expedições" e nele estava narrada a expedição que encontrou a tumba de Tutancamon. Meti na cabeça que eu seria arqueólogo. Já na faculdade vi que a arqueologia romântica, ao estilo Indiana Jones que eu imaginava, não tinha nada a ver com separar e classificar cacos de cerâmica. Mas aí já era tarde.Eu estava completamente apaixonado pela História. Nunca mais saí dela. A docência veio como uma decorrência natural disso. A História me fascinou tanto que eu sentia necessidade de compartilhar com os outros aquilo que ia descobrindo.

OFEAH Como o professor vê a atuação dos historiadores para a compreensão do mundo atualmente?
RF Antes de mais nada, não sei se é possível a compreensão do mundo atual como um todo. Isto não significa que devamos abandonar a ideia de procurar compreendê-lo. Ao contrário, isto deve ser sempre buscado. É possível compreender e esclarecer muita coisa, mas sempre dentro de certos limites, pois nem tudo está ao nosso alcance. Sem querer puxar a brasa para o nosso lado, entendo que se tal compreensão do mundo, com suas limitações, passa obrigatoriamente pelo estudo de como ele se formou, ou seja pela História. Se existe uma possibilidade de compreender o mundo em que vivemos, ela passa obrigatoriamente pela História e, portanto, pelo trabalho do historiador.

OFEAH Que rumos é possível apontar para a ciência História futuramente?
RF Esta pergunta é difícil de ser respondida. Os historiadores não se entendem quanto aos rumos da História hoje, que dirá no futuro. Apenas para exemplificar. A questão apresentada indaga sobre os rumos da ciência História. Ora, os historiadores não estão de acordo uns com os outros no que se refere à própria cientificidade da História. Assim, ao menos para mim, fica um pouco difícil de apontar os rumos que a História pode seguir. Uma coisa, porém, me parece certa. O interesse pela História é cada vez maior e será cada vez maior, na medida em que cada vez mais somos levados a procurar respostas para o mundo, como foi visto na questão anterior. E, na medida em que o interesse pela História é - e provavelmente será - cada vez maior, seu estudo tende a se tornar cada vez mais intenso, ampliando também significativamente seus métodos e campos de atuação.

OFEAH "Como o professor vê a difusão, através do sucesso de vendas de livros, de obras abordando a história escritos por jornalistas, como a série 1808 de Laurentino Gomes e os 'Guias Politicamente Incorretos de História' de Leandro Narlock?"
RF Eu vejo essa questão em um dupla perspectiva. De um lado, acho interessante este tipo de publicações na medida em que despertem nas pessoas o interesse pela História. De outro lado, na maior parte dos casos falta o rigor metodológico e analítico tão necessários ao trabalho histórico. E isto traz um problema: as pessoas passam a escrever o que bem entendem, sem se preocupar com o rigor acadêmico. Ainda assim, alguns textos são bem trabalhados, se considerarmos seu caráter de divulgação, como é o caso de Ricardo Bueno. Outros, porém são escandalosos, além de serem políticamente incorretos, às vezes são tecnicamente incorretos. Os textos em geral não apresentam novidades. O fato é que os jornalistas acabaram por encontrar um filão interessante. Fizeram o que os historiadores raramente conseguem: falando uma linguagem compreensível e não acadêmica encontraram um grande público leitor.

OFEAH "Muito se fala sobre crise nas licenciaturas e um desinteresse pela profissão de professor. Ainda é possível ver com otimismo a formação atual de  historiadores/professores e as pesquisas desenvolvidas na área?"
RF Acho que são duas coisas distintas, apesar de estarem interligadas. A chamada "crise das licenciaturas" tem a ver com a crise do sistema educacional como um todo. Ela não se restrine apenas à disciplina de História. A quantos anos sistematicamente têm faltado professores de matemática, de química, de geografia? Aqui vou falar o óbvio: muitas pessoas preferem investir quatro anos de sua formação intelectual em algum curso que possa lhes trazes maior retorno financeiro. A não valorização financeira, a não valorização social, as dificuldades cotidianos no trabalho do professor afugentam um número grande de pessoas que poderiam se tornar ótimos profissionais. No campo da pesquisa, por outro lado, a maior dificuldade se encontra no mercado de trabalho. Não é tão fácil viver exclusivamente da pesquisa, tanto que a maior parte dos pesquisadores são também eles professores. Quanto à questão de ser possível ver com otimismo, penso que não, a não ser que se resolva realmente encarar de frente a questão da educação no Brasil. Mas esta, não pode ser uma política de governo, mas sim uma política de estado.

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