segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Brincar na aula de História: jogos, ensino e autoria (III) O jogo Guerra das poleis, sua confecção e utilização em sala de aula

Davenir Viganon

Continuando a série sobre o uso de jogos no ensino de História, iniciada pelo professor Walter aqui aqui, quero trazer para a discussão minha experiência com esta ferramenta. Pretendo relatar as experiências que tive em criar e utilizar um jogo feito para trabalhar a Grécia Antiga, em uma turma do Ensino Médio. Elas foram vividas no último estágio curricular de minha graduação, no segundo semestre de 2014. Além disso, pretendo inserir neste relato uma breve análise sob a metodologia dialética que me guiou teoricamente nestas aulas.

Optei em minha prática por confeccionar um jogo especialmente para utilizar com os alunos com os quais trabalhei. A primeira vista pode parecer muito trabalho, mas é menos do que parece. Ao construir um jogo somos impelidos a desenvolver a criatividade, fazer adaptações e recortes não apenas para construir a dinâmica do jogo, mas para a pesquisa do conteúdo. A pesquisa é de suma importância para preparar qualquer aula, seja com jogo ou não. Ressalto aqui a pesquisa, pois quando esta é esquecida da prática do professor, este pode ser sugado pelo sistema de ensino que transforma os professores entusiasmados em apáticos reprodutores de conhecimento. A criação de jogos necessita da figura do professor-pesquisador.

Vamos ao jogo em si.



O Jogo “Guerra das Poleis”

O jogo chama-se “Guerra das Póleis” e tematiza a Guerra do Peloponeso na Grécia Antiga. Consiste basicamente em um jogo de tabuleiro com sistema de “rolar e mover”, misturado com elementos de RPG como cartas, batalhas e interpretação. O jogo é composto por um tabuleiro, peças vermelhas e azuis - representando Esparta e Atenas -, dados e cartas. Para a turma em questão foram necessários 4 tabuleiros, que comportaram de 9 a 10 alunos cada. Cada mesa os alunos se dividiam em dois grupos, sendo um com Espartanos e outro com Atenienses e em cada grupo se define um rei. Iniciado o jogo, os alunos circularam pela Grécia/tabuleiro, enquanto conheciam elementos da sociedade grega através das cartas que eram retiradas durante o jogo. São nas cartas que o aluno entra em contato com o conteúdo, enquanto as regras o tornam dinâmico.

Segundo Giacomoni, o jogo em sala de aula tem dois objetivos: um que é próprio do jogo e o outro, que é o pedagógico. O objetivo do jogo é eliminar os membros da poleis/grupo adversário, então, a condição de vitória é que o jogo acaba quando o último membro de uma das poleis/grupo é eliminado dando a vitória a equipe que tenha ao menos um integrante no jogo. O objetivo pedagógico é que com o jogo os alunos serão capazes de observar as diferenças e semelhanças entre as cidades-estado da Grécia Antiga e também, ter uma dimensão do processo histórico grego que permitiu que a democracia se desenvolvesse.


Para comentar as regras, sugiro a leitura delas, sendo possível encontra-las na integra neste link. No geral as regras se detalham mais na guerra pois é através dela que se decide quem vence o jogo. Este aspecto foi escolhido porque é o mais atrativo para os alunos e o mais comumente abordado por jogos de tabuleiro em geral. Contudo busquei contemplar outros aspectos da sociedade grega clássica. Podemos encontrar cartas que abordem os princípios da educação; a função e posição das mulheres; as alianças políticas bem como as guerras entre gregos e contra o império Persa; as classes sem direitos políticos nas poleis e nestas se incluem tanto os escravos como os estrangeiros; como eram cultuados os deuses; e instituições que concentravam ou perdiam poder.

O visual do jogo é um aspecto muito importante para a sua construção. Os esforços que fiz em fazer um jogo bonito e atraente se dirigiram para o tabuleiro e principalmente para as cartas, pois é nelas que se concentravam a maior quantidade das informações e dados do jogo. Quem leu o manual, já as conhece. Contudo, pretendo comentar brevemente sobre algumas delas.  



A dinâmica e o conteúdo nas cartas

A dinâmica do jogo, como foi apontado, é de usar o dado e o tabuleiro a medida que vai coletando cartas e entra em combate com outros alunos para eliminar adversários do jogo. Giacomoni aponta que na dinâmica do jogo o aluno é “transportado” para o tempo do jogo ou ele é desafiado a mostrar conhecimento histórico respondendo questões e articulando conceitos. Guerra das Poleis segue a primeira alternativa e se apoia principalmente nas cartas para isso. 

As cartas foram divididas em tipos com cores diferentes, cada tipo promovendo uma interação diferente com os aspectos apresentados. As cartas azuis e vermelhas trabalham as diferenças entre Esparta e Atenas. Cada carta contém determinado assunto e interage de modo diferente dependendo da equipe/pólis que pertence o jogador/cidadão, como podemos ver na imagem abaixo.
As cartas amarelas por sua vez buscam características em comum aos gregos. Em uma dessas cartas, por exemplo, chamada “Queda da monarquia”, trata do processo de perda de poder da figura do rei frente aos parlamentos que foram uma constante, na maioria das cidades-estado gregas, onde as instituições democráticas assumiram este poder. A carta afeta diretamente o jogo, como podemos notar ao ler sua consequência para os jogadores.
As cartas verdes são as que trazem itens de defesa ou ataque utilizados para vencer o inimigo, afinal as poleis passavam longos períodos em guerra. Esparta e Atenas encarnaram a maior das rivalidades da Grécia Antiga. Nestas cartas a preocupação foi em trazer elementos para que os alunos possam ter uma condição de vitória no jogo, que no caso é derrotar os adversários em combates com armas.

As cartas brancas falam dos deuses gregos. Nestas procurei ser mais objetivo e trazer informações sobre como e onde os deuses eram cultuados e quais influências tinham na vida dos gregos. Neste jogo, em especifico, optei por colocar poucos deuses e deixar a mitologia como coadjuvante, não sendo o objetivo pedagógico principal destas aulas que ministrei. Foram colocados apenas 4 deuses do panteão grego: Zeus, Hades, Atena e Ares. Destaco a carta de Hades que obriga, obviamente dentro da bricadeira, o aluno a cair numa maldição ao pronunciar o seu nome, como os gregos acreditavam que aconteceria caso invocassem seu nome e assim justificar as consequências de retirar a carta para o jogador.

Jogo na mão, e agora?

Com as poucas cartas que vimos (o conjunto completo possui 50) foi possível notar que o conteúdo estava relacionado com a dinâmica do jogo, mas conseguir encaixar esses dois aspectos é apenas parte do trabalho. O jogo deve ser inserido dentro de um planejamento maior. Isso implica que não devemos supervalorizá-lo apesar do trabalho e energia que envolve confeccioná-lo. O jogo não resolve sozinho o problema de aprendizagem. Na prática isso significa que ele não entra no primeiro dia de aula em que se aborda o conteúdo que o envolve.

Neste caso especifico, o jogo entrou na quarta aula sobre Grécia Antiga, onde muitos aspectos presentes nas cartas, já tinham sido abordados separadamente com mais profundidade. O objetivo do jogo aproxima-se mais do objetivo geral que de um objetivo específico. Segundo a metodologia dialética, como apresentada por Celso Vasconcellos, o jogo foi uma atividade de síntese em que os alunos vão sistematizar o conhecimento adquirido nas aulas anteriores e expressá-lo de forma concreta “os vários níveis de relações que conseguiu estabelecer com o objeto de conhecimento, seu significado, bem como a generalização, a aplicação em outras situações que não as estudadas”[1].

Não utilizei (nem recomendo) o jogo para promover o primeiro momento de encontro do aluno com o objeto de conhecimento. Pois este momento deve ser reservado para atividades em que o aluno possa trazer o que conhece e expor suas impressões sobre o objeto de estudo. Da mesma forma que para jogar um jogo qualquer o aluno precisa antes conhecer as regras, jogar com a história necessita que o aluno já tenha algum contato com o objeto, ou seja, o jogo entra quando o aluno já adquiriu algum conhecimento e ele é mais proveitoso para que o aluno sistematize o que já conheceu, através do jogo.

Em minha prática, os alunos, antes de começar a jogar, tiveram três aulas em que debateram o conceito de Democracia e a participação das mulheres, conheceram Esparta e depois Atenas e durante essas aulas foram apresentadas as regras do jogo.  A aplicação do jogo foi bastante agitada, como o esperado, mas bastante organizado, o que me surpreendeu, em virtude da própria colaboração dos alunos, pois pude contar com alguns que já tinham experiência em jogos de tabuleiro, que passaram a ajudar os outros a aproveitar melhor o jogo. Ao final do jogo, os alunos rapidamente expuseram suas opiniões. É importante que se abra esse espaço para que os alunos se expressem sobre o jogo e principalmente para que façam apontamentos sobre as regras e o visual de modo que possam ser aperfeiçoadas no futuro. No próprio “Guerra das Poleis” pude verificar que, futuramente será necessário fazer ajustes nos valores dos armamentos, mas que no geral está bem equilibrado para o tempo de aula que tive para aplicá-lo.

Para completar o processo de aprendizagem a avaliação do aproveitamento dos alunos foi feita através de uma redação. Como a opinião já fora coletada oralmente e cada aluno viveu na pele de um cidadão ou rei de uma das poleis, eles deveriam contar brevemente sua história. O envolvimento no jogo facilitaria a construção da narrativa e a tomada de posição que um cidadão grego teria frente aos assuntos e aspectos da sociedade seriam os pontos chave da redação. O resultado apareceu sob a forma de alguns textos maravilhosos de se ler.

Creio que durante o relato o leitor pode notar que em várias fases desde o planejamento, a confecção até a aplicação do jogo, tive várias alternativas para escolher o melhor jeito de utilizar os jogos em sala de aula. É um caminho muito rico em opções, mas que exige que o professor ative seu lado criativo e pesquisador, para que o jogo a ser feito de fato contribua para o processo de aprendizagem. Também é necessário promover a autoria nos alunos para que eles não sejam meros expectadores da aula e finalmente incluir o jogo de acordo com sua posição teórica de educação.

Referências
GIACOMONI, Marcelo Paniz. Construindo jogos para o Ensino de História. In: PEREIRA, Nilton Mullet, GIACOMONI, Marcello Paniz (orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
MEINERZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula. In: PEREIRA, Nilton Mullet, GIACOMONI, Marcello Paniz (orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
VASCONCELLOS, Celso. Metodologia dialética em sala de aula. In: AEC, Revista de educação. Brasília, nº. 83, abr/jun. 1992.

Nota
[1] VASCONCELLOS, Celso. Metodologia dialética em sala de aula. In: AEC, Revista de educação. Brasília, nº. 83, abr/jun. 1992. p.50
[aualizado ás 15:02]

4 comentários:

  1. Olá! Você disponibiliza o jogo para baixar?

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  2. Vc pode me disponibilizar o jogo para baixar?

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    1. olá. não tenho mais os arquivos para imprimir. me desculpe.

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  3. Davenir, gostaria de reproduzir o seu texto no meu site, com os devidos créditos: www.ludosofia.com.br Sua experiência coincide com a nossa proposta de Ludosofia e pode inspirar outros professores a fazerem o mesmo, como temos alimentado em nossas matérias. Aguardo e caso não obtenha resposta, procurarei fazer uma matéria a partir da sua iniciativa.

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