Alex Oestreich
As manifestações que ocorreram nos últimos trinta dias em diversas capitais do país tem em comum um discurso de inconformidade com o atual governo e de modo mais pulverizado a confluência de discursos difusos de vários grupos que pediam desde o fim da corrupção – como se isso fosse um problema pontual, sem precedente histórico, “culpabilizando” o governo do PT por sua gênese – até o retorno da intervenção militar. No entanto, para além da verificação do óbvio nas inúmeras demandas, que podiam ser visualizadas nos cartazes e palavras de ordem pintadas em verde e amarelo, existem algumas conclusões que podem e devem ser melhor analisadas, pois apontam para uma nova relação de forças no cenário brasileiro. Novos atores saíram às ruas, imbuídos de um discurso que ainda não foi bem compreendido pelos seus críticos e mesmo pelos seus apoiadores. Entre o misto de perplexidade e indignação, procurou-se falar em legitimidade ou ilegitimidade das manifestações e sua relação com a democracia.
Afinal, a rua é de quem? E para quem?
Historicamente as ruas são locais privilegiados para a ocorrência de manifestações, sejam elas artísticas, politicas, populares ou não. O Brasil tem um longo histórico de manifestações políticas e populares utilizando a rua como espaço privilegiado, tendo sido interrompidas em parte, ao longo dos anos em que a ditadura civil-militar foi instituída como forma de governo no país (1964-1985). Após a redemocratização as ruas foram palco de diversas intervenções populares, muitas delas organizadas e viabilizadas por setores filiados ao Partido dos Trabalhadores e à CUT. Durante muitos anos o protagonismo desse tipo de ação esteve vinculado aos setores trabalhistas e sociais, que tinham em grande medida o PT como catalisador de seus discursos. Com o passar dos anos e a consecutiva chegada do partido ao poder, houve uma grande reorientação neste sentido.
As jornadas de junho de 2013 organizadas em sua maioria pelo MPL foram paradigmáticas neste sentido, pois as ruas foram ocupadas por outros atores, de diversos estratos sociais e políticos. Apesar de bandeiras especificas como a questão da melhoria da mobilidade urbana, aumento das passagens entre outras, observa-se que houve diversos grupos em que, cada qual a sua maneira, tentou utilizar as ruas como lócus privilegiado para a exposição de suas ideias/anseios. Chegou-se a um ponto em que a disputa pelo protagonismo nas manifestações e a perda de controle de parte da massa levou a criação de uma visão deturpada do processo em si, forçando os organizadores a se retirar.
No entanto, desde as manifestações de junho de 2013, verifica-se um processo de ocupação do espaço público para protesto diferente do que vinha sendo praticado até então. Novos atores sociais aprenderam – ou reaprenderam – o caminho da rua, modificando drasticamente o processo de protagonismo das manifestações de rua no país. Esse fato está diretamente ligado ao processo de aparelhamento do PT ao nível governamental. Recentemente em entrevista ao VICE, Cláudio Couto (FGV) afirmou que a perda do monopólio das manifestações de rua por parte do PT e dos setores vinculados ao partido está “relacionada a um grande desgaste do partido diante de uma parcela da sociedade, uma parcela crescente da sociedade. E é isso que mostra a perda de poder. O PT perdeu um recurso crucial seu, que era o poder de promover mobilizações sociais como as que a gente presenciou no período posterior à redemocratização. Isso começou a fazer água de uns tempos pra cá, talvez do governo Dilma pra cá".
Ainda segundo o cientista político da FGV, não há um bloco, ou mesmo um grupo majoritário, capaz de aglutinar esta confluência de vozes dissonantes [ainda]. Não havendo um “ganhador” com essas manifestações, não significa que não tenhamos um grande perdedor, que neste caso é o atual governo. Imobilizado como consequência direta de suas alianças a nível político, vê sua base de apoio minguar. Até o momento não houve capacidade de reação à altura por parte da base aliada ou dos setores sociais que a compõe.
Legítima ou ilegítima?
Sob qualquer ótica, uma manifestação de crítica ao governo é salutar e bem vinda, como já foi ressaltada pela própria presidente. Manifestar contrariedade ou mesmo inconformidade com o governo e suas ações é uma atitude até então pouco utilizada pela população e deveria ser transformada em hábito para que tenhamos de fato uma democracia participativa. Porém, o que se verificou no dia em questão foi um aglomerado de pessoas pedindo, ou melhor, praticamente implorando uma intervenção militar constitucional (?), seja lá o que isso signifique. Com cartazes de cunho autoritário e muitas vezes intimidadores, verificou-se de tudo: desde bonecos enforcados representando a presidente em exercício até frases que queriam abolir a “doutrinação marxista” de Paulo Freire.
O que chama atenção é o paradoxo criado pelo simples fato de existir dessa manifestação: Pessoas exercendo o direito democrático de livre manifestação para pedir intervenção militar e retorno da ditadura.
Mas então, a manifestação foi legitima ou não? Bem, sim e não. Foi legitima, pois todo cidadão ou grupo de cidadãos tem o direito constitucional de se manifestar, a favor ou contra o governo instituído. Mas ao mesmo tempo foi ilegítima, quando traz no bojo de seu discurso temas como a intervenção militar, palavras de ordem de cunho autoritário e mesmo representações violentas (até uma suástica foi identificada nos cartazes). O único indicio de democracia presenciado esteve associado ao direito garantido pelo estado, o qual é veementemente rechaçado pelos manifestantes, da livre manifestação.
O que esperar?
Conforme o programado, no último dia 12 ocorreu mais uma onda de manifestações “democráticas” pelo impedimento do atual governo. Da mesma maneira como ocorreu em 15/03, viu-se uma onda de verde-amarelismo hipócrita e sem propósito invadindo as ruas das principais capitais brasileiras. Motivados por um ódio de classe e uma inconformidade plantada, estes indivíduos fazem uso de todos os recursos disponíveis para desestabilizar o clima democrático que vem sendo assegurado sob duras penas desde 1988.
O que fazer?
É necessário, portanto, reagir. Os movimentos sociais e a população em geral comprometida com a democracia devem ir às ruas e mostrar que a legitimidade desse grupo que protesta é parca e muito menor do que está sendo alardeada pela velha mídia conservadora e golpista. Não se deve confundir que uma manifestação contrária a este movimento obscurantista seja de fato em favor do governo, pois não o será. E nem deverá ser.
Uma manifestação massiva e popular urge dessa conjuntura, não em favor de uma personalidade política, ou mesmo um partido, mas em favor da democracia como regime de governo. Não ideal, como um modelo acabado (e inexistente); com problemas sim (e muitos), mas que deve ser reorganizada pela ação popular e participativa e não por um golpe com aspectos democráticos que solicita o linchamento de pessoas ou a intervenção dos militares.
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