Walter Lippold
Vivemos um momento histórico, onde a posse do brinquedo é mais importante que o ato de brincar em si. É o que alguns pesquisadores chamam de "morte do brincar" (FORTUNA, 2013), um problema que me aflige diretamente como professor e como pai de uma criança de 3 anos. Relembrando meu artigo “Criança, a alma de um negócio sem alma”[1], trazemos novamente a afirmação do Doutor em Ciências da Comunicação ECA-USP, Clóvis de Barros Filho, no documentário "Criança, a alma do negócio": “A publicidade [...]promete mais do que a alegria da posse, ela promete a alegria da inscrição na sociedade.” Naquele momento afirmei sobre a contradição da mercadoria e sua pervasividade de mercadificação, sua tendência a padronização, mas também sua tendência ao diverso.
O ato de brincar na sala de aula passa por esta reflexão teórica - principalmente na formação de professores - pois o ethos da mídia publicitária é geralmente antagônico ao ethos da escola. Esta morte do brincar, esta morte da criação de narrativas, da imaginação e criatividade está muito ligada ao que critiquei acima. Hoje os brinquedos possuem botões, o botão é o adestramento ao mundo da pervasividade eletrônica. Longe de um saudosismo (ah! na minha época que era bom) temos que compreender o momento para agir sobre estes problemas. Criar espaços de autoria, circulação, produção coletiva de narrativas e leitura é um ato importante neste mundo de discursos prontos, frases clichês e chavões repetidos ad nauseam, padronizados e tornados degustáveis pela indústria da cultura que muitas vezes circulam na sala de aula.
Enquanto muitos colegas professores buscam alternativas viáveis na construção de aulas mais adequadas aos jovens de hoje, outros chafurdam no lamaçal do comodismo e reproduzem as mais entediantes didáticas - se é que podemos chamar assim - baseadas no “fixar conteúdo”, passar textos no quadro ou mandar os alunos copiá-los de livros didáticos com os famosos questionários com respostas mecânicas e diretas do texto. Nestes meus sete anos, como professor, muitas vezes me indaguei sobre o que é ensinar história e como saber se meus alunos estavam aprendendo. Até o momento não obtive, e provavelmente nunca terei com absoluta certeza uma resposta estável. Mas aprendemos caminhos através da experiência docente, sempre embasada na pesquisa e na atualização teórica. “A questão que fica é, portanto, como provocar encontros na aula de História, de modo que o gosto e o envolvimento por conteúdos tão distantes no tempo e no espaço possam permitir a aprendizagem?” (PEREIRA;GIACOMANI, 2013, p. 13).
Alguns destes caminhos passam pela questão da oralidade, da leitura, da escrita e da produção de autoria. Como diz Seffner (2013, p.33) "Uma atividade de ensino de História deve operar com conceitos e nomeações, e deve auxiliar o aluno a desenvolver um vocabulário histórico e próprio das ciências humanas." Acredito que o enriquecimento do vocabulário e o domínio de conceitos é uma das prioridades nesta lista de critérios citadas no artigo de Seffner (2013). Tenho me deparado com alunos de 16 anos - em EJA - que não sabem o que é agricultura. Por isso o jogo também cumpre um papel de sedução para a compreensão de conceitos, além do velho e bom glossário produzido pelos próprios alunos empreendendo pesquisa no dicionário ou internet. Um jogo como Age of Empires, ou até mesmo um Role-Playing Game, ajuda neste processo incessante de aprendizagem e relação de conceitos. O aluno terá que saber o que é agricultura, o que é religião e estado, exército e divisão de classes ou estamentos. Sem o domínio de conceitos a leitura dos textos em história se limita a um grau que beira o não entendimento completo. Vemos isso todos os dias em nossas salas de aula.
Em seu artigo, Seffner (2013,p.38) lista vários elementos importantes constituintes do ensino de história. Um dos que mais me chamou a atenção foi este: “Toda atividade deve gerar uma produção autoral pessoal. Esta produção é em geral produção escrita, mas pode ser na forma de desenho, história em quadrinhos, música, etc.”
A autoria é uma das minhas mais profundas inquietações, principalmente devido a hegemonização do "ctrl+c/ctr+v". Os alunos muitas vezes não querem pensar, foram acostumados a copiar e colar mesmo antes do advento da internet. Faziam isto copiando dos Almanaques Abril da vida, dos livros didáticos e do quadro. Eu tenho usado cinema e jogos principalmente na sala de aula. Todo filme é analisado pelos alunos, redações são produzidas sem nenhum tipo de apoio a não ser sua memória do filme e a técnica da escrita. Alguns anotam o filme, outros descrevem cenas, mas com o tempo vemos a melhora na escrita. Desenhos, redações, blogs, quadrinhos, documentários no movie maker, fanzines, cartazes, maquetes, explicações orais por parte dos alunos, são alguns dos recursos que tenho buscado em minhas aulas. Não podemos cair em um desespero frustrante, pois temos sim a possibilidade de produzir autoria na sala de aula e o jogo é um dos instrumentos que podem nos apoiar nesta guinada para uma educação que cria, que produz sentido na experiência da vida e não só reproduz a cópia mecânica.
Nota
[1] LIPPOLD, Wallter G. R. Criança, a alma do negócio de um mundo sem alma. O Fato e a História. http://ofatoeahistoria.webnode.com/news/crian%C3%A7a%2c-a-alma-do-negocio-de-um-mundo-sem-alma/
Referências
FORTUNA, Tânia Ramos. Morte e Vida do Brincar. S.d. documento eletrônico. 2013.
PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMONI, Marcello Paniz. Flertando com o Caos: os jogos no ensino de História. PEREIRA, Nilton Mullet, GIACOMONI, Marcello Paniz (orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
SEFFNER, Fernando. Aprender e ensinar história: como jogar com isso. PEREIRA, Nilton Mullet, GIACOMONI, Marcello Paniz (orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
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